Gazeta das Províncias nº16 02-03-1899

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ANNO |
CERTA — Quinta feira 2 de Março de 1899 –
N.º 16
ASSIGNATURA.
CERTA, mez, 400 rs. FÚRA DA CERTÃ, trimestre, 330 rs. AFRICA, semestre, 15000 rs. BRAZIL, semestre, 28500 rs. Numero avulso, 30 ts.
Toda a correspondencia dirigida à Administração, R. Sertorio, 17. Os originaes recebidos não se devolvem
Ernesto Marinha — Director
0 PEDBRALOMO DAMAS,
Quem attentamente tenha acompa-
nhado a marcha contemporanea da poli-
tica internacional não póde deixar de re-
conhecer que se está em vesperas de
grandes acontecimentos.
« Preparam-se no mundo transforma-
ções profundas,» —notava ha pouco Del-
casse no parlamento francez.
Com efeito, as nações agitam-se em
uma tormentosa impaciencia. Ha fulgo-
res phantasticos no horisonte ; e receia-
se que, em vez de serem prenuncios de
uma aurora de paz, sejam antes os re-
flexos d’um incendio devorador, prestes
a rebentar.
À nosso ver, porém, não ha já mo-
tivos para taes receios.
Os factos politicos, que, nos dois ul-
timos annos, teem emergido á face do
mundo, trazem as córes azues d’uma fa-
gueira esperança. As modificações, em
que se veem revolvendo os Estados, são
apenas sympthomas pronunciados de que
ás nações se impõe um maior estreita-
mento pelo laço federativo. Felizmente,
essa necessidade está sendo geralmente
comprehendida e por toda a parte se
procura hoje realisal-a, na seductora vi-
zão Puma futura ordem superior,
Olhemos para a Africa Austral, para
essa terra sancta, onde a ave bemdita da
liberdade foi construir um ninho…
Nºum pacto de amizade entre a re-
publica de Orange, presidida por Stein,
e a do Transvall, presidida por Kruger,
— pacto ratificado em junho de 1897—,
lançava-se a ideia da formação d’um con-
selho que se incumbisse de organisar
uma união federal que mais estreitasse
as suas sympathias. A mesma ideia foi
aventada, com applauso geral e dilirante,
n’um recente banquete, em que tomavam
parte os representantes mais graduados
das duas gloriosas republicas. Tão ac-
centuada vem sendo essa tendencia que
o sr. dr. Manuel Fratel, n’um substan-
cioso artigo da Revista de direito interna-
cional diplomatica e consular, não hesi-
tava em exprimir-se, francamente, por
estes termos: «Um importante aconteci-
mento politico que, de certo, assumirá
tambem caracter economico, a federação
das republicas da Africa Austral, sob a
presidencia do sr. Stein, actual chefe do
Estado livre d’Orange, parece estar em
via de proxima realisação».
A florescente Australia, sob as liber-
dades politicas reconhecidas pela gene-
rosa Inglaterra, procura egualmente fe-
derar-se. Os ministros das seis colonias
independentes —Nova (alles do Sul, Vi-
ctoria, Australia do Sul, Lueensland,
Australia Occidental e Tasmania —, reu-
nidos em 28 de janeiró passado, em Syd-
ney, accordaram, por proposta de Read,
n’um projecto de federação.
– «Na Gran-Bretanha, —observa o sr.
Gaspar Baltar no Primeiro de Janeiro—,
os imperialistas celebram-n’o como trium-
pho, porque vêem n’elle o começo da
grande federação imperial».
— De facto, um importante numero de
escriptores inglezes e americanos teem
já traçado o plano da futura organisação
federativa anglo-saxonica. Entre elles,
cumpre-nos destacar, com menção hon-
rosa, Fronde, Dilke, Secley e Conway.
A raça latina e slava vê n’isto um
perigo para a sua influencia historica ;
lançou já um grito de alarme, em que se
reclama e recommenda, a todo o transe,
para uma resistencia segura, a união de
esforços, federativamente.
O Marquez de Mauban acaba de pu-
blicar um precioso livro intitulado — À
alhiança franco-allemã. Prevê para breve
uma intelligencia entre a França e a Al-
lemanha, que, conbinadas com a Russia,
Austria, Italia e porventura a Hespanha,
poderão organisar uma especie de Esta-
dos Unidos da Europa, que, tendo como
fim a manutenção da paz universal, af-
fastem a preponderancia crescente da In-
glaterra.
No jornal russo Peterburgseiya Vedo-
mosti, altamente cotado nos centros scien-
tificos, o sr. P. Golovachev publicou um
extenso artigo, notavel sob todos os pon-
tos de vista, relativo ao assumpto que
nos occupa. Reconhece, com largueza de
observação, que a raça anglo-saxonica,
está preparando o conseguimento d’uma
forte federação, e não receia attribuir a
essa tendencia a facil conquista, por parte
dos Estados Unidos, das Filippinas, Cuba
e Porto-Rico, em prejuizo da desventu-
rada Hespanha, Para contrabalançar,
propõe o plano d’uma união latino-slavo,
cujos delineamentos vê já esboçados.
Emilio Castellar, que tem o segredo
da arte e a febre da eloquencia, convida
tambem a Europa na Nouvelle Revue In-
Semanario independente
: PUBLICAÇÕES.
= No corpo do jornal, cada linha 80 rs. Annuncios, 4018. alinha. Repetição, 20 Ts 4 linha. Permanentes, preço convencional; os srs. assignantos
têm 0 desconto de 25 9/y. Esta folha é impressana Imprensa Academica, R. da Sophia, Coimbra
Augusto Rossi — Editor
= Dm po
ternationale, a impedir, quanto antes, a
realisação do pacto federativo da pode-
rosa raça anglo-saxonica. No emtanto,
como meio para esse fim, acha pratica-
vel e urgente uma [ederação das raças
latinas e slava, previamente ajustada e
claramente definida. A palavra do emi-
nente tribuno, como a da sua patria, pre-
tende entranhar-se nos corações, accen-
tuadamente, na ancia ardente de salvar
a terra do seu berço, agora regada de
lagrimas e despedaçada ém dôór!…
Taes as circumstancias e as ideias
politicas que actualmente impellem o
mundo! Outras poderiamos ainda refe-
rir, se o comportasse a estreitesa deste
jornal. Para formar, porém, juizo synthe-
tico, basta porventura o que ahi deixa-
mos registado.
Evidentemente, estamos em vesperas
d’uma extraordinaria remodelação social,
gloriosa é levantada |
Uma febre ardente aquece as imagi-
nações, a delirar em sonhos; os corações,
n’um arranco superior de bondade, con-
vertem-se em pedestal de progressivas
institnições; o amor da paz illumina os
espaços, juncando de luz o caminho que,
de futuro, deverá percorrer a humani-
dade…
Que sõe, pois, em breve, a hora da
egualdade social, consagrando esperan-
ças; que, dentro em pouco, surjam, no
firmamento, novas estrellas, a reluzir para
todos; que, na pompa festival das har-
monias, todas as almas se elevem, esque-
cidas no longo abraço duma felicidade,
maior e profunda |…
ECHOS DA SEMANA
Está em reclamação na secretaria da
camara até ao dia 15 do corrente, o re-
censeamento geral dos mancebos na edade
legal para o recrutamento do actual anno,
n’este concelho.
— Na segunda e terça feira d’esta se-
mana compareceram os parochos e rege-
dores do concelho, na sala das sessões da
camara municipal para procederem á re-
visão do recenseamento eleitoral.
— Foi nomeado delegado do procurador
regio da comarca de Sinfães, o sr. dr.
Antonio Maria Augusto Pereira Seves de
Oliveira, conservador privativo do registo
predial da comarca de Moimenta da Beira.
— Foi transferido para Ancião, o sr. dr.
Jorge da Silveira Freire Themudo e Vera,
conservador do registo predial em Povoa-
ção.
— Já começaram os trabalhos da ta-
refa da terraplenagem que a Camara adju-
dicou ao sr. José Dias, do Outeiro.
Juiz de direito
Já tomou posse dºesta comarca o seu
novo juiz, o sr. dr. João Lobo de Moura,
que d’Abranies para aqui foi transferido.
——— aneiprgpem
Escripturarios de fazenda
A commissão das contribuições do es-
tado approvou ha dias o projecto, relativo à
restauração dos logares de escripturarios de
fazenda, que ficarão sendo de 1,º e 2.2
classe.
Os de 1.º classe só serão dados aos con-
celhos de 4.º ordem.
O vencimento dos escripturarios de 4.º
classe em Lisboa e Porto é de 3005000
réis, e dos 2.º classe 2165000: réis. Nos
outros conselhos é de 2505000 réis o ven-
cimento para os de 1.º classe.e de 1805000
para os de 2.º.
A melhoria no augmento d’estes funceio-
narios não importa augmento de despeza
para o estado, por que é feita à custa de
reducção noutros quadros e economias em
varios serviços, que a commissão propõe.
——— map a
Estrangeiro
Nas Filipinas
O «Oregon» — O receio de DeWey —A attitude
dos allemães
No seu’telegramma pedindo que fosse
enviado immediatamente a Manila o Oregon,
Dewey diz que, n’essa reclamação, «obedece
a razões politicas».
Como para combater os rebeldes não
são necessarios mais navios, as palavras
«razões politicas» são geralmente interpre-
tadas no sentido de haver propositos de in-
tervenção estrangeira nas Filipinas. Traduz-
se O envio de relorços navaes com receio de
que a Allemanha pretenda intervir, como o
indicavam as noticias do «Morning Leader,
recebidas ao.principio com absoluta. incre-
dulidade. Diz-se que a Allemanha fez indi-
cações em lal seutido e que. justifica a sua
intervenção declarandh que as perdas sof-
fridas nas Filipinas desde a invasão ganiee
são enormes e que as forças norte-ameri-
canas demonstraram que não podem conso-
lidar a occupaçãs nem dar ao paiz um go-
verno estavel, O que prejudica o commercio
estrangeiro.
Uma nota officiosa feita publicar pelo go-
verno yankee affirma que o «Oregon» toi
enviado a Manila, não para colocar a es-
quadra de Dewey em condições de se im-
pôr, se lur preciso, aos navios estrangeiros,
mas sim para dar aos filipinos melhor ideia
do poder naval dos Estados-Unidos.
Mas outras noticias confirmam que, du-
rante os ultimos combates, principalmente
com o bombardeamento das posições taga-
las, ha uma semana, os commerciantes e
residentes estrangeiros sofireram grandes
prejuizos nas suas propriedades e interes-
ses, prejuizos que augmentaram enorme-
mente com o incendio. Em vista disto o
almirante Von Drederich que desde a che-
gada dos yankees às Filipinas mantem, como
é sabido, uma altitude hostil para com elles,
ameaçou desembarcar forças dos seus na-
vios.
Orçamento de guerra inglez
Está publicado o orçamento de guerra:ra:@@@ 1 @@@
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTÃ, 2 DE MARÇO DE 1899
inglez para 1899-1900. Os augmentos que
n’elle se notam dizem respeito especialmente
aos armamentos e aprovisionamentos e ele-
vam- se a trinta e cinco milhões de francos,
sobre um total de quinhentos e dezeseis mi-
lhões. :
O effectivo não é augmentado em mais
do que quatro mil trezentos e quarenta-ho-‘
mens, o que eleva o total das tropas ingle-
zas a cento e oitenta e quatro mil oitocentos
e cincoenta e tres homens.
Boato de morte
Segundo participam de CGalcuta, circulou
ali o boato de ter morrido o enir do Afgha-
nistan, .Abdur-Rhaman Khan. Até agora, O
governa da India ingleza não recebem ne-
nhuma confirmação d’esta noticia. E” de no-
tar que o soberano do Afghanistan solire
duma doença cronica.
Expedição Andrée
Quando se saberão noticias definitivas
ácerca da sorte da expedição Andrée? Ha
poucos dias, um telegramma de S. Peters:
burgo desmentia oficialmente o boato de se
terem descoberto vestigios: do explorador.
Ágora o «Standart» insere um despacho de
que, n’um jornal da Siberia, o famoso caça-
dor Jalin publicou uma carta na qual diz
que, caçando nas florestas virgens do lenis-
sei meaidional, descobriu vestigios d’Andrée.
«Era, escreve Jalin, a 350 verstas de
Krasnviarsk e a 100 verstas dos lavadouros
d’oiro de Lavinief. O balão e o cordame es-.
tavam despedaçados e no solo viam se es-
tendidos tres cadaveres. Um tinha o craneo
partido. Garanto a verdade do que afirmo».
SESSÃO DA CAMARA
De 22 de fevereiro de 1899
Presidencia do sr. Almeida Maio; ve-
readores presentes: os srs. Carvalho, Cor-
reia, Vidigal e Leitão.
Approvou a planta para edificação de
nma casa, nos termos do art. 22.º do Co-
digo de Posturas Municipaes.
Deferiu um requerimento pedindo sub-
sidio de lactação por 12 mezes.
Passou um attestado de bom comporta-
mento moral é civil ao revd.º padre José
Lopes, de Pedrogam Pequeno.
O sr. presidente declarou ter assignado
a representação que à camara resolveu di-
rigir ao governo de sua magestade, pedindo
a construeção do lanço de estrada entre esta
villa é Vaquinhas Cimeiras, na estrada dis-
trictal n.º 120, da Louzã a Belver.
ESTRADA DA CERTA A-THONAR
E” deploravel o estado em que se en-
contra esta estrada desde a ponte do Valle.
da Ursa até Thomar.
As ultimas chuvas aggravaram o estado
pessimo d’esta via, que lão desprezada tem
sido pelos encarregados da sua conservação,
tornando perigoso o transito de carros de-
vido aos innumeros barrancos que a cada
passo a obstruem.
Ao sr. director das obras publicas do
districto de Santarem, pedimos energicas
providencias.
e CO e ——— —
EXPEDIENTE
Acs nossos estimaveis assignantes pedi-
mos a fineza de nos remetterem em vale do
correio ou carta registada, a importancia
das suas assiguaturas relativas ao 4.º tri-
mestre que findou em janeiro ou ao 4.º se:
mestre que finda em abril, afim de nos evi-
tarem grandes despezas com a cobrança.
pelo correio.
Desde já agradecemos.
: “ts
CONCKEALNO
-— Filhos, eu sinto q morte
Enlaçando-se comigo,
Morre, e quero, d’esta sorte,
Mostrar que sow vosso amigo.
Lego-vos-hoje um thesouro,
Cuja posse inda ignoraes,
Infuidavel, cheto douro,
E que eu herdei de meus paes.
— Monde, dize-nos pae,
Esse thesouro encerras?
— Existe nas nossas terras,
Filhos meus, cavae. .. cavae. ..
Certa.
L. da Silva Dias.
OE EIEOS
27 de fevereiro.
Acabamos de ler o relatorio da primeira
gerencia—janeiro de 98 a janeiro de 99 —
da «Caixa Economica Escolar» da villa de
Estremoz, creada pela iniciativa do ilustrado
professor complementar e nosso antigo ami-
go, sr. João Bernardo Gomes, O primeiro,
neste paiz de analphabetos, a levar a el-
feito tão grandiosa obra de beneficencia e
educação.
A pequena associação conta 27 socios
fundadores e 42 ordinarios; a sua receita
foi de 2794320 réis e a despeza de 2385320.
Os seus beneficos resultados estão já evi-
dentes, sendo importantes os auxilios pres-
tados à escola e aos alumnos. Cumprindo-
se o que as leis respectivas preceituam,
minoravam as agruras da escola primaria ;
mas não ha leis que se cumpram, que não
ha homens que lhe obedeçam. Cremos que
só pela força de vontade do seu pessoal do-
cente se poderá levantar o nivel da instruc-
ção popular; e para esse engrandecimento
concorre poderosamente a generalisação de
esse elemento de beneficencia e educativo :
— Ag «Caixas Economicas Escolares.» Que
todos os professores primarios sigam o exem-
plo d’aquelle seu distincto collega, secun-
dado pelo illustre professor da Varzea de
Goes, st. Custodio Dias Guerreiro. Bem sa-
bemos que às dignas professoras cabe ta-
refa mais ampla: os cuidados do esposo,
dos filhos, do lar, além dos encargos do seu
delicado mister; mas nem por isso desani-
mem e prosigam todos ab imo pectare im-
passiveis de tempestades levando a cabo tão
feliz emprehendimento.
—N’este cantinho de Portugal, circum-
dado de ingremes serras que sombreiam
verd jantes castanheiros, soou a notícia do
inesperado fallecimento do grande vulto po-
litico que a França pranteia:
— Teem agradado muito os artigos do
fundo da Gazeta, ultimamente publicados ;
o que honra o auctor e a nós regosija, tanto
mais, que esses votos de agrado são de
pessoas reconhecidamente auctorisadas.
— A amenidade d’alguns dias da se:
mana finda annunciavam-nos a proxima vin-
da da florida primavera; julgavamo-nos já
livres do incommodo inverno que nos tem
trazido tão «arreganadinhos» : porém, hon-
tem, repetiram as chuvas e o dia hoje con-
serva-se nubloso. É
G.
—— =D dp que — — —
CHRONICA ELEGANTE
Sahiu para a capital o sr. Antonio Joa-
quim Simões David, digno escrivão e ta-
bellião d’esta comarca.
*
Regressiram ao logar do Bollo, as ex.”ºº
sr. D. Zulmi a Moraes d’Aguiar e D.
Maria do Ceu Moraes d’Aguiar, que esti-
veram n’esta vila de visita a seus tios, O
sr. Simões David e s. ex.M esposa.
x
Regressou de Pedrogam Grande, onde
foi acompanhar suas sympathicas sobrinhas
a ex.m srà D. Maria Amelia Moraes Da-
vid.
*
No dia 21 do mez findo, baptisou-se
um filhinho do nosso amigo sr. João Joa-
quimBranco, que recebeu o nome de Joa-
quim. ;
Foram padrinhos do neophito o sr.
Antonio Seraphim Melia Junior e a sr.?
Maria Molleira.
No fim da ceremonia foi offerecido pelo
sr. Branco, um opiparo almoço aos seus
numerosos amigos.
me
Esteven’estalocalidade onde velo acom-
panhar o novo juiz d’esta comarca, o sr.
dr. Martins, distincto advogado nos audi-
torios de Abrantes.
E FOLHETIM
ULTIMA DADIVA
TRINDADE COELHO
E n’um profundo ai dolorosissimo, foi-se
direito à porta para chamar o pequeno. Não
havia remedio, tinha nascido em má hora,
havia de ser desgraçado até que o levassem
para a cova… Sobre a estreita e humilde
cama o filho dormia profundamente. Que
dôr, ter de o acordar | Vieram lhe tentações
de mandar embora o Thomaz e deixar dor-
mir a creança. Quem sabe se a sua sorte
futura, se toda a sua vida, valeria a boa
tranquilidade d’aquelle somno! Não tinha
coragem para 0 acordar, fazel-o vestir: era
quasi um peccado quebrar aquelle ultimo
somno dormido sob o tecto paterno… O
ultimo somno ! o ultimo somno !
— Ainda se o deixassemos acordar…
— aventurou se a dizer o triste.
Mas o Thomaz que estava com pressa,
lembrou seccamente que eram horas de pôr
o barco a andar.
O José Gosme accendeu então a candeia,
receioso de que a luz o acordasse, e ache-
gando-se do filho poz-se a escutar-lhe a
respiração. Dormia(… Mas brandamente
pousou-lhe a mão sobre a cabeça e chamou
baixinho, quasi ao ouvido, beijaudo-o, sobre-
saltado como se fosse praticar um grande
crime :
— Filho, olha que são horas, meu filho…
Quando o pequeno se sentou na cama,
estremunhado, ainda sob o estonteamento
do somno, cerrando os olhos áquella hosli-
lidade viva da luz, o pae agarrou-se a elle
n’um abraço, e ambos romperam a chorar.
— Adeus, pae !
— Adeus, filho!
Confrangido, o Thomaz que se deixara
ficar à porta, avançou para desatar aquelle
abraço.
— Olhe que é tarde, sr. José. Perdoe,
mas olhe que é tarde.
O pae vestiu O pequeno, beijou-o ainda
muito, e sairam. Debaixo do alpendre, o
Joaquimsito ficou-se um instante a olhar o
tecto.
— A andorinha, filho? — perguntou o
José Gosme. — Deixa que eu hei-de olhar.
por e’la, mais pelos filhos quando os tiver.
Vae socegado.
Mas o pequeno quiz vel-a, pediu ao pae
que o erguesse, era só um instante. Lá es-
tava ella, coitadinha! sentin-a estremecer
quando lhe tocou com as pontas dos dedos…
— Adeus |! — disse-lhe o pequeno afa-
gando-a.
A esta palavra, O pae retrahiu os braços
e tomando o filho ao collo seguiu. Atraz,.o
barqueiro levava ao hombro a misera arca
de pinho: toda a bagagem do Joaquim.
Ao transpor O cancello o José Cosme de-
teve um pouco e perguntou soluçando :
— Quando voltarás ao horto, meu filho ?
O pequeno não respondeu. Chorava con-
stantemente de ver que o separavam de tudo
o que adorava — a andorinha, depois da an-
“dorinha o horto, as arvores, a velha nora,
o cancello, tudo emfim.
Atravessaram então a estrada e tomaram
para a banda do rio. Quando o sentiram
murmurar, apertaram mais o abraço, de-
ram-se um longo beijo, humido das lagrimas
que ambos derramavam. Ah, como o triste
pae desejava que o rio ficasse ainda longe,
mui longe, que fugisse deante d’elles, de
Passou no dia 1 o anniversario natali-
cio do nosso presado amigo, sr. Jayme de
Sande Marinha, administrador d’este se-
manario.
Cordeaes parabens.
ANTONIO NUNES FERREIRA RIBEIRO
No dia 20 de fevereiro, passou o 11.º
anniversario do fallecimento d’este illustre
– e prestimoso cidadão, de quem os certagi-
nenses têm uma viva e lugubre saudade.
Como gratidão à sua memoria, aqui re-
gistamos este facto triste e desolador para
os que tinham em Antonio Ribeiro um pae
extremoso, um marido exemplar, um irmão
carinhoso e um amigo sincero e prestavel.
Paz à sua alma!
VARIAS NOTICIAS
Uma junta de bois quasi afo-
gada. — Rapaz em perigo de
vida.
No sabbado ultimo, um carreiro que se
emprega em transportar pedra para a ponte
da Carvalha em construcção, quiz pela pri-
meira vez atravessar a ribeira com uma
carrada de pedra, proximo dos pegões da
nova ponte, onde ha uma grande altura de
agua. Aconteceu, porem, que os bois, se-
guindo o trajecto que o carreiro lhes indi-
cava, foram metter-se na maior fundura da
ribeira n’aquelle sitio e d’onde não sahi-
riam com vida, senão fossem os soccorros
que os operarios empregados na ponte prom-
ptamente lhes prestaram.
Na mesma occasião um rapasito, que
conta apenas 9 annos d’edade, esteve tam-
bem quasi afogado, porque indo em cima
do alludido carro para passar para o outro
lado da ribeira atirou-se à agua e só a
grande custo poude sahir da corrente que
alli é bastante forte.
Os sermões de quaresma teem estado
extraordinariamente concorridos.
O Alcoolismo
Continuam os homens de seiencia sus-
tentando uma lucta violentissima contra o
alcoolismo, mas, apezar de taes esforços, os
factos aitestam que, em França, aquelle ter-
rivel vício, de dia para dia, augmenta de
intensidade.
Nas grandes cidades da Republica Fran-
ceza principalmente em Paris, o alcoolismo
tem, nos ultimos tempos, tomado um incre-
mento espantoso, sendo insuficientes os hos-
pitaes para conter os enfermos cujas affecções
morbidas foram produzidas pelo alçool.
Esta tristissima realidade mostra quanto
se torna urgente e necessario emprehender
modo que nunca o alcançassem! Mas eis
que a areia principiava, divisava-se já perto
o vulto escuro do barco onde os da tripu-
lação fallavam alto.
— Prompto? — perguntou ainda de longe
o Thomaz.
Do barco responderam que era só mar-
char, de mais a mais ia romper a lua.
Chegaram emfim. Nºum leve silencio de
acaso ouviam-se os soluços dos dois, parece
que prolongados infinitamente, na sua ex-
pressão de angustia, pelo deslisar monotono
das aguas… Aquillo confrangia o baqueiro,
elle tambem era pae… Por isso, mal che-
garam à beira do rio, apressou-se a dizer
para o pequeno :
— Ora bem, Joaquimsinho, beija a mão
a teu pae e dize-lhe adeus.
Ouviu-se um chorar lancinante, a voz do
pobre José Cosme a querer animar o filho :
— Então, meu filho? … Deus te aben-
çoe, meu amor… Nossa Senhora te veja
ir. — E fez-lhe prometter que havia de resar
sempre a Nossa Senhora, elle tambem lhe
resaria, pois era ella quem dava saude, quem
fazia a gente feliz,@@@ 1 @@@
GAZETA DAS PROVINCIAS— CERTÃ, 2 DE MARÇO DE 1899
uma energica cruzada contra o abuso de tão
detestavel bebida, e foi movido por essa
ideia, que o doutor Le Gendre, medico do
hospital Tenon, escreveu e propagou com
verdadeiro enthusiasmo uma breve noticia,
que deve popularisar-se, e de que, por hoje,
extractamente os seguintes periodos:
«A maior parte das doenças tratadas nos
hospitaes teem por origem ou, pelo menos,
são aggravadas pelo abuso das bebidas al-
coolicas, todas muito perigosas, mas com
especialidade, as que que conteem assencias
aromaticas, Laes como os aperitivos denomi-
nados «amargos». :
As referidas bebidas são mais perigosas
tomadas em jejum do que apoz as refeições,
e o individuo que as usa diariamente, mesmo
que se não embebede com ellas, vae se tor-
nando alcoolico pouco a pouco. Emborca
um veneno que, sem duvida alguma, lhe
destroe os orgãos mais necessarios à vida.
O alcool excita o homem e não o fortifica ;
não substitue o alimento e tira o apetite. E
os paes que delle abusam teem geralmente
filhos rechiticos, doentes e, algumas vezes,
até idiotas».
—— ee Cp e ———
Contos populares alemlgjanos
O compadre Bernardo
Havia n’uma aldeia um casal com tantos
filhos, que apenas uma pessoa, n’aquella
povoação, ainda não tinha’sido padrinho de
qualquer d’elles. E
O chefe d’este casal chamava-se Ber-
nardo, e de forma alguma queria ser com-
padre d’um individuo, por mais duma vez.
Ora tendo o referido Bernardo, ainda, uma
filha por baptisar, e querendo arranjar lhe
madrinha, metteu se por um caminho fora,
resolvido a convidar para comadre a pri-
meira mulher, embora desconhecida, que
elle encontrasse. Ao terceiro dia de jornada
encontrou, emfim, no meio duma charneca
donde unicamente se avistava mallo e ceu,
uma velha que lhe disse: «Então p’rá onde
vae perdido, irmão ?» «Bu não vou perdido,
respondeu elle; ando à procura duma mu-
Jher que queira servir de madrinha a uma
filha que tenho por baptisar.» Dis-lhe a ve-
lha: «pois olhe, se não quer ir mais longe,
offereço-me eu para madrinha; mas primei-
ro que tudo vou dizer-lhe quem sou, afim
de buscar outra pessoa, caso não goste de
mim.» Eu sou a Morte, e, querendo você,
lá vou d’hoje a oito-dias para baptisarmos
sua filha.» Bernardo respondeu à Morte que
a elle qualquer pessoa lhe convinha, sómen-
te O que não queria era ser compadre duma.
pessoa por mais d’uma vez. A Morte, então,
despediu-se de Bernardo, entregando-lhe
um taleigo de dinheiro para as primeiras
despezas. Assim que o homem chegou a
casa, perguntou-lhe sua mulher: «Então,
Bernardo, já encontraste: madrinha para a
nossa filha ?» «Já encontrei, e sabes quem
-62 a Morte!; ella é que m’entregou este ta-
leigo de dinheiro para as primeiras despe-
zas!» A mulher ouvindo fallar na Morte não
ficou muito contente, mas examinando o
que o taleigo continha, disse para o marido:
«Oh Bernardo, com isto já a gente se go-
verna uns tempos sem trabalhar, não é ver-
dade?»
Passados oito dias, realisou-se effectiva-
mente o baptisado (1), e, na volta da egreja,
quando chegaram a casa, a Morte, chaman-
do o compadre, disse-lhe: «Compadre, fa-
ca-se medico, e não lhe dê isso cuidado,
porque em Você sendo chamado para alguem
e me veja aos pês do doente, pode receitar-
lhe qualquer coisa, que não morre; só mor-
rerá aquelle a cuja cabeceira eu me puzer.»
Quando a fama de Bernardo já andava
muito espalhada, adoeceu a filha do rei, e
depois de serem consultados os grandes
medicos do reino e todos haverem declarado
que era impossivel salvar a doente, disse
um dos ministro ao rei: «Saiba Vossa Ma-
gestade que o unico medico que pode sal-
var a princeza é um chamado Bernardo, o
qual já curou uma filha minha, d’uma doen-
ça egual à da princeza.» O rei, que a todo
o custo queria salvar a filha, assignou uma
ordem, que mandou entregar por um pro-
prio ao compadre Bernardo, conforme lhe
chamavam na aldeia. O compadre Bernardo
appresou-se a cumprir a ordem regia, e por
isso apresentou-se logo no palacio, conven-.
cido que curava a princeza. Mas assim que
elle entrou no quarto da doente e viu a
Morte à sua cabeceira, caiu-lhe immediata-
mente a balsa em baixo (2). Pensou um bo-
cado e, olhando para quem estava ali, disse:
«Emfim, voltem-lhe lá a cabeça para onde
ella tem os pés…» Passadas duas horas,
levantou-se a princeza completamente cu-
rada, ficando todos pasmados d’uma opera-
ção tão simples produzir um resultado por
tal forma maravilhoso !
No outro dia, quando o compadre Ber-
nardo regressava a sua casa, saiu-lhe a
Morte ao encontro e disse-lhe que tanto
como aquillo não lh’ensinara ella, e por con-
seguinte, que se preparasse para qualquer
dia marchar, elle em logar da referida
doente. O compadre Bernardo, perante uma
ameaça d’esta ordem, pediu à Morte, de
mãos postas, que lhe perdoasse, que elle
nunca mais procederia assim. E, como a
Morte não desistisse da ameaça, compadre .
Bernardo foi casa, contou a mulher o occor-
rido e em seguida dirigiu-se à loja dum
barbeiro afim deste lhe rapar a cabeça à
navalha. Feita esta operação, voltou a casa
a vestir um facto velho, e ordenou à mu-
lher que dissesse à Morte, quando esta O
viesse procurar, que não sabia d’elle havia
(1) Em vez de baptisado, o povo diz: HApiiO,
(2) Cahiu-lhe a balsa em baixo = ficou esmore-
cido, desmaiado. L, P.
oito dias. Em seguida retirou-se e foi à
busca dos rapazes para se misturar com
elles a fim d’ecapar, por meio d’este disfarce,
à perseguição da sua comadre Morte. Ao
cabo de tres dias, andaudo o compadre Ber-
nardo jogando á pata, no adro, com os ra-
pazes, passou a Morte e perguntou: «( ra-
pazes, vocês viram para aqui o meu com-
padre Bernardo?» Salta elle do meio” dos
seus companheiros e diz: «Sim senhor, esse
moço passou agora ahi fugindo adiante d’uns
poucos rapazes, por essa rua adiante.» À
Morte, ouvindo isto lançou-lhe mão d’um
braço e puxando-o, proferiu o seguinte: «E
0 mesmo; uma vez que não está aqui o meu
compadre Bernardo, quer dizer que levarei
este velho pellado.»
Da Tradição.
Antonio Alexandrino.
— DC
PERFIS LIGEIROS
VII
Porque lhe chamam menino ?
Pergunto eu a mim ao vel-o;
Será elle porque o destino
Lhe não deu inda cabello ?’?…
Tem um genio muito Pliz,
E emquanto a graça, então
Todos riem quando diz
Alguma cousa o
VIII
Herdou de Cupido a manha,
E’ da bréca levadinho,
E tem geiteira tamanha
P’ra levar agua ao moinho,
Adonis, alguem lhe chama.
(Quem tal fez não foi injusto)
Faz bem os papeis de dama
Eil-o que chega 0…..
IX
Alto, esguio qual centeio,
De barbas, coitado, ó mingua,
Já alguem lhe chamou feio,
(Ha por hi cada má lingua |…)
Dizem mais (eu não digo)
Que o coração delle é porto
Que recebe e dá abrigo
A tudo, a direito e a torto.
Tem de telha abundancia
Este aprendiz de escrivão,
Mas veste com elegancia
O starola do. . ..ceces os
X
— Pois é… Q Snhor ha de ver…
— Eu tambem sou assim…
Diz que não ou diz que sim.
— 0″ coiso vens dos Ramathes?
— … alhos, alhos… pois é, é. se
— Andas por la com trabalhos,
Já ninguem te vê! — … vê, Vêrco
Que ell” pensa bem, isso pensa,
El! lá vae com os seus fins; E
Ora… tudo se compensa
E chamem tolo 0….. si
XI
Passos curtos, aos saltinhos
De homem serio, com seus ares,
Vem de dar aos marteltinhos
O maganão dO. ..ecese sos
Silvadeas.
Registro bibliographico
A Revista Lirreraria, — Recebemos os
fasciculos 4 e B d’esta bem redigida e im-
portante revista litteraria d’Arte & critica
theatral e bibliographia, que no mundo das
lettras vem substituir a revista Sphinz. E’
“seu director o sr. Eugenio Pimentel.
Toda a correspondencia que diga res-
peito a esta revista, deve ser dirigida à rua
dos Grillos, Coimbra (Portugal).
Agradecemos.
—Temos presente 0 2.º n.º da Tradição,
revista mensal d’ethnographia portugueza,
ilustrada.
Eis o summario: ;
– TEXTO — O Carnaval, por Ladislau Pi-
carra (Dr.). — Dançar populares do Baixo-
Alemiejo, por M. Dias Nunes. — Creanças d
Superstições: Bichos uterinos, por Filomatico.
— Modas-estribilhos alemtejanas, por M. Dias
Nunes. — Habitação, mobiliario e utencilios
domesticos, por Lopes Piçarra.—Novellas po-
pulares minhotas, por Alvaro Pinheiro. —Jo-
gos populares, por Ladislau Piçarra (Dr.). —
Contos populares alemtejanos, por Antonio
Alexandrino. — Proverbios e dictos, por Cas-
tor. — Adivinhas, por Castor.
ILLUSTRAÇÕES.—Galeria de typos po-
pulares: Camponeza vindo da fonte. — Can-
cioneiro musical: Manuelsinho, você chora
(choreographica).
KALENDARIO DE MARÇO
Quarta-feira 1 | 8/15/22] 29
Quinta-feira 2 19/16/23] 30
– Sexta-feira 3 140/17/]24| 31
Sabbado 4 [11/18/25] —
Domingo 5 [12/19/26] —
Segunda-feira 6 /13/20/27] —
Terça-feira 7 /14/21/28| —
Quarto minguante E a 1.
Lua Nova & a 11.
Quarto crescente D a 19.
Lua Cheia & a 27.
ai EDGE
SERVIÇO DE DILIGENCIAS
Da Certã à Thomar (via Serna-
che do Bom Jardim, Valles, e Ferreira do
Zezere). Sahe da Certã às 2 h. dat. e chega ‘
a Thomar ás 9 h. da noite; Sahe de Tho-
mar às 5 da m. e chega a Certã às 12 1/o
“da tarde.
Da Certã à Proença a Nova.
Sahe da Certã à 1 1/a dat. e chega a Proença
às 5 da tarde; Sahe de Proença às 5 da m.
e chega a Certã às 9 1/o’da manhã. Esta
diligencia communica com a de Proença a
Castello Branco.
Da Certã a Pedrogam Pe-
queno. Sahe da Certã às 2 dat. e chega
a Pedrogam às 5 1/9 da tarde; Sahe de Pe-
drogam às 7 da m. é chega a Certã às 10
da manhã. .
— Não te esqueças d’ella, mais da almi-
nha da tua mãe e da tua irmã…
Mas o pequeno chorava cada vez mais,
agarrado ao pescoço do pae, beijando-o so-
fregamente, acarinhando-o, sem forças para
dizer palavra. Então o José Cosme, perdida
a esperança de animar o filho, só exclamava
desvairado :
— Valha-me Deus! O Senhor me valha
pela sua infinita misericordia |
E o Joaquim sempre agarrado a elle,
beijava-o na cara, na cobeça, nas mãos. Até
que o Thomaz teve de intervir, era preciso
despegar d’ali por uma vez.
— Com’assim, sr. José, isto tem de ser…
— E segurando o pequeno com força puxou-o
para elle. Quando já o tinha nos braços,
ouviu-se o José Cosme que supplicava de
mãos postas :
— Só um instante, só um quasinadinha,
Thomaz! — E o pobre pae caia de joelhos
na areia, n’uma attitude de supplica.
Mas n’esse momento, o barqueiro saltou
de um pulo para o barco, levando ao colo a
creança.
— Rema ! — intimou em voz rapida.
Q barco recuou então subitamente, ao | movimento rapido,
mesmo tempo que os remos fizeram plhau !
sobre a agua.
Então o choro do José Cosme tornou se
de uma violencia desesperada, ao ouvir a
voz lacrimosa do pequeno dizendo-lhe adeus
lã do barco.
— Adeus, Joaquim, adeus !
-— Adeus, pae !
Adeus |
Mas repentinamente, com voz resoluta e
firme, 0 José Cosme gritou na direcção do
barco :
— Thomaz ! 6 Thomaz! por alma de teu
pae faz lá alto um instante.
Acabou-se ! custara-lhe tomar aquella re-
solução, mas já agora era melhor ficar sósi-
nho de todo. E segurando nos dentes um
pequeno objecto, arremessou a jaqueta ao
areal e d’um lance deitou-se a nado. O Tho-
maz que ouvira o mergulho do corpo, fez
recuar 0 barco; mas o José Cosme, velho
nadador destemido, com meia duzia de bra-
cadas ganhou lhe de prompto a quilha. O
filho tinha-se debruçado, na ancia de espe-
rar O pae, de o ver ainda outra vez. N’um
o João Gosme entregou
dizendo-lhe a chorar :
— E” a medalha, Joaquim; é a meda-
lhinha de tua mãe, meu filho !… Reza-lhe,
sim ? |
– E chorando cada vez mais, o pobre José
Cosme pediu ao barqueiro que lhe chegasse
o pequeno para o ultimo beijo…
Dado o ultimo beijo, o barco poz-se de
novo em marcha. Vinha a romper a lua,
enorme, torva, afogueada, como se viesse
de algum banho de sangue em região mys-
teriosa de lagrimas… E no silencio agoi-
reiro da noite, apenas cortado pelo bater
monolono dos remos e pelo bracejar desa-
lentado do triste nadador, à voz do filho que
chamava respondia cada vez de mais longe
— longe como se fóra do Infinito ! a voz la-
crimosa do pae — com o seu funebre adeus !
que elle bem sabia ser eterno…
*
x *
+. Só quando o echo do ultimo adeus
do Joaquim, perdido na distancia, diluido no
| luar que surgia, desfeito no lugente mur-
ao pequeno o que levava entre os dentes,
murio das aguas, fundido no derradeiro sus-
piro da brisa matinal, deixou de chegar à
praia, é que o pobre abandonou o areal e
se foi, sempre o chorar, tiritando ao frio da
sua desgraça, como a um vento agudissimo
do Polo, na direcção do horto silencioso. . «
FIM.IM.@@@ 1 @@@
4
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTÃ, 2 DE MARÇO DE 1899
ANNUNCIOS
EDITOS DE 80 DIAS
| & o 2º ANNUNCIO
Pelo Juizo de Direito dºesta comarca
e pelo cartório. do escrivão Gonçalves,
correm editos de trinta dias, cilando o
réo, ora executado, Antonio Pereira Ba:
rata, solteiro, proprietario, morador que
foi na villa de Pedrogam Pequeno, actual-
mente ausente em parte incerta, para no
praso de 10 dias, a contar depois de ter-
minado aquelle decendio dos editos, que
começará a correr no dia em que se pu-
blicar o ultimo annuncio no Diario do
Governo, pagar a quantia de 238110 ts,
importancia das custas e sellos em que
foi condemnado nos autos de polícia cor-
recional que o Ministerio Publico lhe mo-
veu pelo crime de furto: ou para dentro
do mesmo praso nomear á penhora bens
sufficientes para esse pagamento, sob
pena de revelia,
Certa, 16 de fevereiro de 1899. Eu
Francisco Cesar (ronçalves, escrivão o
subscrevi. as,
Verifiquei.
Ehrhardi,
VENDA E ABREMATAÇÃO
2º ANNUNCIO :
No dia dose do-proximo mez de mar-
co, por onse horas da manhã, à porta do |
Tribunal Judicial d’esta comarca, por vir-
tude d’uma carta precatoria extrahida
E TT di o | EDITOR aa
d’uns ántos d’execução para pagamento. ORA do Atlas de Geographia Universal
de 514276 réis, vinda da comarca de
Figueiró dos Vinhos, se ha de proceder
á venda e arrematação em hasta publica,
pelo maior lanço que se olferecer sobre
os seus respectivos valores, dos predios
pretencentes ao executado Manuel Mar-
tins, da Sapeira, freguezia. do Castello,
a saber: — Uma morada de casas no si-
tio das Hortas Velhas, que consta de
terra de semeadura com sobreiros, matto
e uma casa, no valor de 1408000 réis.
Umas oliveiras com o que lhe per-
tence, detraz da Horta da Céve, no va-
lor de 249000 réis. sa
certos gi
Cextã, 17 de fevereiro de 1899.
O escrivão do 4.º officio, |
“ José Antonio de Moura.
Verifiquei. Ehrhardt.
VENDA E ARREMATAÇÃO:
2.º ANNUNCIO Ê
No dia dose do proximo mez de
março, por onse horas da manhã, à porta
do Tribunal Judicial d’esta comarca, por |-—
virtude da execução. por custas, sellos e
muleta que o digno magistrado -do Mi-
nisterio Publico move contra José da Sil-
va, do Castanheiro Pequeno, para paga-
mento de 458947 réis, se hade proceder
à venda e arrematação em hasta publica
pelo maior lanço que se oflerecer sobre
os seus valores, em — O usufructo vita-
lício que o executado tem em um quin-
tal ou cerrado com uma larangeira, tes-
tada de rua e uma pequena casa no lu-
gar do Castanheiro, no valor de 38000
réis.
O usufructo vitalício que o mesmo
executado José da Silva tem em uma
horia à Fonte do Castanheiro Pequeno,:
no valor de 68000 réis.
São citados quaesquer credores in-
certos.
Certã, 17 de fevereiro de 1899.
O escrivão do 4.º officio,
José Antonio de Moura.
Verifiquei, Erhardt.
“São citados quaesquer, credores, in-
Harpa
Vende-se uma harpa, de
Erard, sete pedaes, movimento
simples e em bom estado de con-
servação, |
Quem pretender dirija-se a
Antonio Victor da Rocha.
CERTA.
GROGRAPHIA UNIVERSAL
Descriptivo e ilustrado
Publicação Mensal
Contendo 40 mappas expressamente gra-
vados e impresssos a córes, 160 paginas de
texto de duas columnas e perto de 300 gra-
vuras representando vista das principaes
cidades e monumentos do mundo, paizagens,
retratos de homens celebres, figuras, dia-
grammas, etc.
A primeira publicação que n’este genero
se faz no paiz.
Todos os mezes será distribuido um fas-
ciculo contendo uma carta geographica cui-
dadosamente gravada e impressa a côres,
uma folha de quatro paginas de texto de 2
columnas, e 7 ou 8 gravuras, e uma capa
pelo preço de 150 réis pagos no acto da
entrega.
Toda a correspondencia e pedidos de as-
signatura devem ser dirigidos à EMPREZA
Rua da Boa-Vista 62, 1.º, — LISBOA.
AUGUSTO COSTA
Alfaiate
Encarrega-se de fazer todo o serviço
concernente à sua arte, tanto para esta lo-
calidade como para fóra.
Garante-se o bom acabamento.
Toma medidas em qualquer ponto desta
comarca.
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– Rua do Valle, 62
CERTÃ
—>—cas
Historia dos Juizes ordinarios e de paz
POR
Antonio Lino Netto
Alumno da Faculdade de Direito e socio effactivo
do Instituto de Coimbra
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Vende-se na livraria França Amado —
Coimbra.
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dita pelo auctor na recita de despedida
«do quinto anno juridico de 97-98
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queimado nos centenarios: — Antonino — de Gualdim Paes —
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Quem pretender dirija-se a LUIZ DIAS, Praça do Com:
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