Gazeta das Províncias nº12 26-01-1899

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CERTÃ — Quinta feira 26 de Janeiro de 1899
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|. Semanario inclependente
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ASSIGNATURA.
CERTA, mez, 100 rs. FÓRA DA CERTA, trimestre, 330 rs. AFRICA, semestre, 4$000 rs. BILAZIL, semestre, 28500 rs. Numero avulso, 30 75,
Toda a correspondencia dirigida à Administração, R. Sertorio, 17. Os originaes recebidos não se devolvem
Ernesto Marinha — Director
PFUBLICAÇÕES:
No corpo do jornal, cada linha 8018. Anuncios, 40 rs. à linha. Repelição, 20 rs, a lina. Permanentes, preço convencional; os srs. assiquantes
têm o desconto de 25 0/9. Testa folha é impressa na Imprensa Academica, R. da Sophia. Coimbra
“d
Augusto Rossi — Editor
O CEINTENARIO
Está para breve o centenario do
nascimento de Almeida Garrett.
N’este momento é um preito justo
e altamente significativo, a todos os
pontos, a solemnisação d’esse cente-
nario,
O grande escriptor nasceu no Porto
a 4 de fevereiro de 1799, e, a 10 de
dezembro de 1854, em Lisboa, descia
ao tumulo, na força da vida, ceifado
pela morte…
A litteratura portugueza d’este se-
culo é uma das mais brilhantes, uma
das que mais alto se ergueram, Al-
meida Garvett, com os prodigios do seu
genio, não foi, certamente, dos que me-
nos trabalharam para essa gloriosa af-
firmação de vitalidade nacional.
Com uma educação esmeradissima
e profunda, devida aos cuidados intel-
ligentes de seu tio D. Fr, Alexandre
da Sagrada F amilia, partia para Coim-
bra a matricular-se na Universidade,
aos 15 annos de idade, com a cabeça
a ferver-lhe em sonhos, com a patria a
palpitar em esperanças! Os primeiros
vôos do seu privilegiado espirito ahi
foram ensaiados, sob um ceu azul en-
cantador, em que murmuram amôres,
mysteriosamente. . . E
– Rebentam, porém, em 1820, as lu-
tas da liberdade.
que cantava por Coimbra, mal saida do
ninho, arroja-se no espaço para saudar
com as suas azas, n’uma apotheose de-
lirante, a nova ideia que rompia a il-
luminar a patria decadente.
Infelizmente os ventos contrarios
que sopraram em 1823 impellem-no ao
exilio, n’uma saudade constante, com
a patria no coração e com a luz da re-
volução a tremer-lhe no cerebro.
A adyersidade sae-lhe então ao en-
contro.
Sofre as amarguras do destino:
sente em terras extranhas a fome a
ameaçal-o em todos os seus horrores, e,
ao longe, muito a distancia, os hori-
sontes da patria a enublarem-se de
negrol…
“Mas nem assim desalentou, aquelle
grande espirito !
Às nações, que não erain a sua, re-
moçavam aos novos e sympathicos im-
À formosa avesita
pulsos do romantismo; n’esse sentido,
extraordinarias individualidades esta-
beleciam correntes impetuosas; e elle,
Almeida Garrett, egualmente indivi-
dualidade extraordinaria, embevecido
nos fecundos resultados d’um movi-
mento tão animador, concebe com-
munical-o tambem á patria distante,
ainda enlutada com as sombras do pas-
sado !
E se bem o concebe, melhor o rea-
lisa.
A D. Branca e o Camdes, compo-
sições poeticas de um levantado en-
canto, obedecem já a essa subordinação.
Em 1826, modificadas as circum-
stancias politicas, Almeida Garrett re-
gressa ao reino, em ancia, a querer in-
volvêlo na sua grande alma ilumi-
nada!
Começa, a contar d’ahi, a parte mais
assombrosa da sua obra, — obra d’uma
verdadeira reconstituição scientifica na-
cional.
Vae à tradição popular, fructo da
imaginação collectiva espontanea; re-
mexe tudo com amor, e colhe de lá os
formosos elementos com que elabora o
Romanceiro portuguez. Aprofunda e
estuda a idade-média da nossa historia,
surprehende ahi a luta titanica e quasi
tragica das diversas classes então exis-
tentes, e escreve o sensacional Arco de
Sant’Anna, Enlevam-no as paysagens
do seu paiz e o dôce sentimentalismo
popular contemporaneo, e dá ao pu-
blico as Viagens na minha terra, Eu-
tende dever orientar a vida nacional,
infiltvando novas ideias politicas salva-
doras; e arrebata, em delivio, o parla-
mento com a notavel oração do Porto
Pyreu, que parece soar ainda, na sua
magestade esculptural, aos nossos ou-
vidos em extasis! Acha pouco a sua
voz no parlamento para obstar á op-
posição adversa aos seus ideaes, e vo-
| ta-se de corpo e alma ao jornalismo,
no Portuguez e no Chronista. Urge a
implantação de novos processos criti-
cos de arte e de sciencia, e redige, n’esse
intuito, artigos magistraes no Jornal
do conservatorio.
Onde ha pedra a levantar no edi-
ficio da patria, lá está elle; onde ha
uma liberdade a manter e a affivmar,
lá corre elle tambem, pressuroso, a
amparal-a |
Em nada, porém, o seu genio as-
o
cendeu a maiores alturas como na re-
constituição do theatro nacional. Sem
duvida ahi, ahi certamente, é que o
seu espirito, n’um esforço quasi divino
e sobrenatural, mostrou a tempera mys-
teriosa e delicada dos genios immor-
taes !
Desde o Alfageme de Santarem,
que desvairou a imaginação popular
encantada, até Filippa de Vilhena, que
é um grito de amor pela patria a re-
moçar, — como são frequentes e repe-
tidas as faiscas crepitantes do fogo ar-
dente do seu pensamento !
E o Frei Luiz de Sousa, o prodi-
gioso Frei Luiz de Sousa?!
— E’ a grande montanha do seu
esforço genial e gigantesco.
Diante della, pára a imaginação
assombrada, como diante do Niagara
o viajante perdido do deserto.
Se um dia, com a patria, eu visse
queimar-se a lendaria bandeira das qui-
nas, a tremular de sonhos, consolar-
me-ia ainda, correndo pelo mando,
qual outro judeu errante, segurando
nas mãos nervosas dois livros apenas,
a cuja vista todos descobrissem a fronte
e respeitosamente ajoelhassem em ad-
miração: os Lustadas e o Frei Luiz de
Sousa !
+»… —0O livro da extraordinaria
acção heroica e o livro da extraordi-
naria alma sentida !…
Camões e Garrett são dois nomes
que se irmanam, dois nomes que se
abraçam !
Ambas as individualidades que re-
presentam lutaram pela patria; ama-
ram a patria, e por ella morreram.
Mas o centenario de Camões está
já solemnisado: falta agora o de Garrett.
E, paga que seja esta grande di-
vida, involvyamos na mesma urna as
cinzas sagradas d’esss dois maiores ge-
nios nacionaes. Resaltam ainda d’ellas
faúlhas luminosas; e, para que se não
| percam debalde, e para que nos illú-
minem, ainda hoje, e sempre, guarde-
mol-as, com o coração, soffvegamente
— as reliquias preciosissimas da nossa
ardente alma collectiva! — dentro
d’esse parto maravilhoso da nossa epo-
peia maritima, petrificado á borda do
mar, em Belem, como que para indi-
car-nos que só pelo mar havemos de
viver, e que, só engulidos pelas suas
ondas, podemos acabar!…
ECHOS DA SEMANA
Sessão de camara de 18 de ja-
meiro. — Vereadores presentes os sts.:
Almeida Maio, Alves Correia, Francisco
esitão e Joaquim Vidigal. Presente tam-
bem o sr. administrador do concelho.
Foi discutido e approvado o orça-
mento ordinario de receita e despeza, para
o actual anno,
Passou dois attestados de bom com-
portamento moral e civil, a Fructuoso Au-
gusto Cesar Pires e João Farinha, obser-
vando o disposto no art.º 25 $ 2,º do Co-
digo Administrativo.
Procedeu à nomeação dos vogaes ef-
fectivo e substituo da Commissão do re-
censeamento eleitoral; recaindo esta no
sr. Francisco Farinha David Leitão e aquel-
la no sr. João da Silva Carvalho;
— No dia 11 do proximo mez hade ser
arrematado à porta dos Paços do concelho
a conclusão das terrap’enagens do lanço da
estrada municipal da Certã a S. João do
Couto.
— Do dia 1 de fevereiro a 10 de março
estarão abertos os cofres para pagamento
das contribuições de renda de casas e sum-
ptuaria relativas ao 2,º semestre de 1898.
— Fala-se na transferencia para a dio-
cese do Porto do actual bispo de Melia-
pôr, indigitando-se tambem o bispo de
Coimbra. Porém, diz-se que o governo
não adoptou ainda resolução alguma sobre
tal assumpto.
— Está a concurso o logar de thesou-
reiro privativo da camara municipal de.
Agueda.
— Foram nomeados pelo Juiz de Di-
reito d’esta comarca, para presidentes das
Comissões do recenseamento eleitoral
dos diversos concelhos os srs.: concelho
da Certã, effectivo, dr. Antonio Nunes de
Figueiredo Guimarães; substituto, dr. Abi-
tio Marçal, Concelho de Proença Nova,
effectivo, Francisco Ribeiro d’Almeida;
substituto, José Antonio da Silva. Cons
celho d’Olleiros, effectivo, Manuel Alves
Jorge; substituto, Francisco Affonso das
Neves. Concelho de Villa de Rei, effecti-
vo, José Rodrigues de Mattos e Silva;
substituto, Manuel Martins Apparicio.
— Foi transferido d’esta villa para a de
Alpedrinha, o sr. Francisco Dias da Silva,
guarda-fios da estação telegrapho-postal.
Sentimos a saida d’este nosso amigo,
a quem esta inesperada transferencia causa
graves prejuizos, devido á numerosa fa-
milia que o rodeia.
Fazemos votos para que o diguo di-
rector geral dos correios novamente au-
ctorise a conservação d’este zeloso empre-
gado aqui, attendendo a que o seu magro
ordenado não lhe garante os meios de sub-
sistencia em terra extranha.
ou cs
Publicamos hoje, em folhetim, o magui-
fico conto O Sultão, extrabido do bello livro
de Trindade Cuelho Os meus amores. João
“de Deus, o grande e saudoso lyrico, tão en:
cantador O achava: que o sabia de cór e in-
Slou lrequentemente cul Ud auclor para que
elaborasse, no mesmo genero, um livro es»
pecial para creanças,@@@ 1 @@@
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTÃ, 26 DE JANEIRO DE 1899
Consta-nos que, de facto, Trindade Coe-
lho se occupa actualmente n’esse livro. Que
venha breve, são os nossos votos. Entre-
tanto, oferecemos hoje aos nossos leitores
uma das mais engraçadas producções do
festejado escriptor.
dd ORPEA
Ko meu amigo Augusto Nunes de Almeida
Manhã de inverno. A aldeia, com suas
casitas muito brancas, jaz envolvida n’um
manto de neve, assemelhando-se a uma rica
cidade das mil uma moutes, que mão dum
artista primoroso edificasse em alicerces de
crystal para habitação de fadas; todas as
portas estão fechadas e só no alto das cha-
minês apparecem negros rólos de fumo que
se desfazem ao mais leve sopro do nordéste.
No oriente, o sol começa a apparecer,
n’um sorriso confrangido da aurora por en-
tre densas brumas d’uma côr bronzeada;
no ar a neve cantinúa cahindo cautellosa-
mente, e mais além junto ao cruzeiro da
aldeia hirta de frio, está a pobre Dolores,
a orphã, sem mais agasalho que os audrajos
da miserie, sem mais abrigo que o céo lim-
pido duma manhã d’inverno e sem mais
carinhos que as lufadas de vento que lhe
cospem às faces flocosinhos de neve, cer-
cando-a com as dobras do seu candido manto.
Caminhára a pobre orphbã todo o dia an-
tecedente em procura d’um abrigo e quando
já via além a aldeia que de casitas brancas
parecia enviar-lhe um sorrir de esperança,
como de mão carinhosa que a receberia be-
nigna em seu regaço, cahiu sem alento junto
ao topo da cruz que, de braços abertos para
ella, parecia querer dizer-lhe na sua mudez:
estás debaixo da minha protecção.
À neve começára então a cahir sobre
seus membros quasi nus, como escarnecendo
com zual alvura da sordidez de seus vesti-
dos, e deixáraa adormecida num torpor
que era já uma agonia lenta.
Assim dormira toda a noute envolta gm
um lençol de neve.
O sol lapejava-a já com seus raios dou-
rados levando-lhe nºelles o calor da vida; a
neve começára a derreter-se-lhe nos mem-
bros e n’um augmento de resfriamento fôra
ferir a sua sensibilidade entorpecida.
Acordou, e a tiritar de frio, debatendo-
se nas garras da fome, sem ter na cesta
mais pão que as migalhas da esmola que
mão caridosa ahi depositára na vespera, c-0
meçou por entre soluços a rezar 0 padre
nosso que a mãe lhe ensinára desde o berço.
EB3E fitos os olhos na cruz, que luziam
como os tocheiros d’um funeral, rezava com
tanto fervor que parecia ter em sua alma a
certeza d’um allívio. Resou .. e como se
as suas palavras: pão nosso de cada dia nos
dá hoje, não fossem ouvidas, querendo em
seu coração obrigar a cruz a soccorrel-a,
fez um esforço poderoso em si mesma €
ajoelhou-se, lançando-lhe os braços ao topo
ao passo que em voz já sumida continuava:
venha a nós o vosso reino. A voz embarga-
va-se lhe mais e mais, abafada pelo soluço
amargo da fome, as pernas vergaram-se-lhe
de fraqueza, e languida de cansaço cahiu
quasi exauime, murmurando já impercepti-
velmente a ultima palavra da prece: Amen.
E sem mais se mecher, tendo ainda os
olhos fixos na cruz, déra o ultimo suspiro
da sua lenta agonia. a
Um rouxinol pousou então na hera que
revestia a cruz cantando numa toada tris-
tissima os preludios da grande symphonia
que esperaria no ceu a alma da orphã.
O sol elevara-se sempre envolto nos
crepes de luto, e derretendo levemente a
neve que lhe coroava os cabellos suspendia
nella gottas d’orvalho, semelhando uma gri-
nalda de perolas suspensas em fios d’ouro.
Dir-se-hia que a orphã ainda chorava ou
antes que um anjo adorava a cruz.
E o rouxinol continuava nos seus pre-
ludios.
e
o o
Felizes os que aprendem na escola da
adversidade o amar a cruz e d’ella se não
separam, tendo-a sempre por phanal no mar
tormentoso da vida, venturosos dos pobres
que repellidos da sociedade só encontram
allivio e auxilio na cruz e a ella morrem
abraçados ; elles terão o premio do seu sof-
frimento e da sua resignação, nos balsamos
que a Providencia derrama, acompanhan-
do-os na morte o canto dos anjos traduzido
nos gorgeios melancholicos do rouxinol que
canta entre as heras da cruz.
Certã, 22199,
; Dominó.
AGRADECIMENTO
O abaixo assignado, agradece por este
meio a todos os cavalheiros que generosa-
mente se dignaram contribuir para a sub-
seripção que os seus collegas Affonso, Pina
e Valente, abriram em seu favor, como no
ultimo numero d’este jornal se disse.
A todos protesta indelevel reconheci-
mento e gratidão.
Francisco Barata.
– CHROÔNICA ELEGANTE
ae ap
Passou no dia 21 o anniversario nata-
lício do nosso presado amigo dr. Antonio
Ildefonso Victorino. As nossas felicitações.
*
De passagem para Mação esteve n’esta.
villa o nosso presado amigo Francisco Pi-
res Tavares,
x
Sahiu para Portalegre o nosso amigo
sr. padre Domingos Lopes da Cruz, digno
coadjuctor dºesta freguezia.
x
Tem passado incommodado de saude
o nosso assignante e amigo sr. José Car-
los Dias.
RA
Consta-nos que sae no fim d’esta se-
mana para Águeda, onde vae tomar posse
como juiz d’aquella comarca, o sr. dr. Al-
meida Ribeiro.
e a mm
GAZETILHAS
Esta interessante «Gazeta»
Por certo não tem rival
Sempre, em tudo, não é peta
Ella se mostra original.
As outras publicações,
Em que se leem charadas,
Guardam as decifrações
Que só mais tarde são dadas.
Cá o director pensava,
Quer de noite quer de dia
P’ra ver se uma fórma achava
De acabar tal velharia.
Um bom processo adoptou,
Na quinta feira passada
As charadas publicou
Mas p’ra tirar a massada
A quem fosse decifrar
Tomou a resolução
De em seguida apresentar
A sua decifração.
D’esta maneira alcançou
O duplo fim que elle tinha:
— Original se tornou
E toda a gente adivinha.
Joli.
VARIAS NOTICIAS
Festividades
Teve logar no dia 22, como annunciamos,
a festividade de S. Sebastião, na pitoresca
aldeia do Cabeçudo.
A festa que teve o maior luzimento,
constou de missa cantada acompanhada a
grande instrumental, sermão e procissão.
Foi celebrante o sr. padre José Antonio
Ferreira, acolytado pelos srs. padre José
Mathias, do Marmelleiro e padre Sebastião
Dias Lopes, do Nesperal.
Orou ao Evangelho, o revd.º padre Elias,
professor no Seminario das Missões Ultra-
marinas e de tarde o revd.º padre Mathias.
“Assistiram tambem os revd.” padre An-
tonio Correia, do Castello, padre Antonio
Martins, de Sernache, e o inteligente se-
minarista Alfredo Lima. :
Abrilhantou esta festividade a phylar-
monica Cartaginense.
No regresso a esta villa, foi cumprimen-
tado por esta sociedade o abastado proprie-
tario do logar do Ribeiro, sr. José Antunes,
que bizarramente lhe offereceu a sua casa,
onde tocou alguns escolhidos trechos de
musica.
O sr. Joaquim Ferreira Guimarães Lima,
Juiz d’aquella festividade, offereceu ao clero,
phylarmonica é numerosos amigos, um lauto
jantar, que correu na melhor animação.
— Realisou-se no dia 20, n’esta villa,
a festa de S. Sebastião. Houve mais con-
correncia que nos annos anteriores.
Dna
Phylarmonica
O nosso presado amigo sr. Antonio Lei
tão, director da phylarmonica Cartagenense,
prosegue activamente no modo de angariar
socios para esta sociedade, afim de poder
sustentar um professor de musica devida-
mente habilitado.
Aos cavalheiros a quem tem falado so-
bre tão util melhoramento, teem da melhor
vontade favorecido o seu pedido, contando
O nosso amigo ver em breve roalisados os
seus desejos, que são tambem os de todos
os filhos da Certã.
MARCO POSTAL
Pedrogam Pequeno, 24.—
Aquem competir pedimos providencias para
o estado vergonhoso em que se encontra a
fonte das Avelleiras.
— Retirou no dia 23 para Benavente
onde exerce o cargo de recebedor, o nosso
particular amigo sr. Antonio Martins Vidigal
Salgado que veio aqui passar alguns dias
com sua ex.”* familia.
— Está n’esta villa, retirando breve-
mente para Coimbra, o sr. José Custodio
Vidigal.
— Com bastante animação correu a fes-
tividade de S. Sebastião que se realisou no
dia 22. C.
I FOLHETIM
Po) ULTÃO
TRINDADE GOELHO
IL
Ao cair da tarde, o Thomé da Eira en-
trava em casa, cançado, esfalfado de andar
um dia inteiro a mourejar no campo.
— Meus peccados, boa tarde, ! — dizia
elle para a mulher, com um sorriso a affe-
ctar seriedade.
Vinha logo o pequeno, o Manuel, de mãos
postas pedindo-lhe a benção.
— Deus Le abençoe.
— Pae, olhe que o «Sultão»… ia a di-
zer 0 pequeno.
— Bem sei! alalhava logo o Thomé. —
O «Soltão» é um maroto e tu és outro.
E emquanto procurava no bolso da jaqueta
a sua bella navalha de meia-lua, que lhe
custara um pinto havia bons quinze annos,
e abria a gaveta do pão, o Thomê punha-se
a fazer de interesseiro comsigo mesmo, res-
mungando alto p’ra que a mulher o ouvisse:
— E’ que por este caminho não tenho
um dia descançado… Nem uma hora…
Vinha a mulher com as azeitonas, com
q queijo, sem dar palavra.
«» Pois vamos lá que já era tempo…
Porque p’ra mim ha de chegar… A modos
que vou já cançando…
Mas o Thomé não era homem que dis-
sesse essas coisas de coração. Pareciam lhe
longos, interminaveis, os aborrecidos domin-
gos que passava sem ir campo fóra, madru-
gador como um melro.
— Uma aquella como outra qualquer !
dizia o bom do Thomé encolhendo os hom-
bros, como quem está desgostoso com um
genio assim.
Partiu uma ampla fatia, um naco de queijo
muito branco, do leite da sua cabrada, e
veiu sentar-se; consolado, ao fundo da larga
escada de pedra que dava para a rua, arre-
gaçado, em mangas de camisa, muito à von-
tade.
Costume velho do Thomê:-—mal se sen-.
tava, mastigando o «boccado» dizia logo para
o filho:
—Quves, Manuel? Bota cá fórao «Sultão».
O rapazito corria a caravelha de uma
pequena porta lateral, que rangia nos gon-
z0s ao impulso dos seus bracitos roliços, e
punha-se a pular de contente, dizendo cá da
rua :
— «Sultão» ! Sae cá p’ra fôra, «Sultão» |
No fundo negro do pequeno cortelho, na
moldura rectangular da porta baixa, desta-
cava-se então a cabecita parda de um ju-
mento, orelhas em riste, grandes olhos: de
uma tristeza perpetua, n’um movimento mo-
roso de palpebras pestanudas. ..
E ali se quedava parado, absorto, muito
bem posto nas suas pequeninas pernas del-
gadas, a olhar o Thomé que o chamava, —
um grande riso de alegria nas feições amo-
renadas, contente de ver o seu «Sultão».
Mas o pequeno jumento não avançava
um passo, divertindo-se em arreliar o Thomê,
fitando-o com um ar estagnado. Altivo na
sua nobre linha de quadrupede de boa raça,
“alguem lhe poderia lêr no olhar, mole e im-
passivel, o frio, gelado despreso a que pa-
recia votar o dono…
Mas era áquillo mesmo que o bom do
lavrador achava graça. E punha-se então a
fallar muito serio, entre resignado e cortez,
para o pequeno e desdenhoso jumento — o
pão e o queijo esquecidos n’uma das mãos,
na outra à navalha de meia-lua.:
— Então, «Sultão», não vens?
— Não ! parecia responder-lhe o animal.
E abstracto, continuava à envolvel o no seu
olhar profundo. A quebrar a harmonia de
aquella immobilidade de estatua, apenas de
quando em quado uma pequenina patada na
soleira, zap |
— Zangado, «Sultão» ? perguntava o la-‘
vrador. — De mal comigo ?
E prestes voltava a cara para a outra
banda, para se rir à vontade… — que não
fosse vel-o o «Sultão»… Mettia entre den-
tes um pedacito de queijo, logo uma codea
de pão, e fazendo umas grandes rugas na
testa, de quem começa a zangar-se, volta-
va-se então muito serio:
— Ficas ahi, «Sultão» ? Já não és meu
amigo ?
O gerico abatia um pouco as orelhas,
inclinava o pescoço, parece que fazendo-se
humilde…
— Então se és, anda d’ahi. Olha… —
E mostrava um pedacito de pão. — P’ra ti
se vieres…
O «Sultão» dava tres passos, e ficava
fóra do cortelho. E por se vingar, o Thomé
carregava o semblante n’uma seriedade muito
pesada, e erguendo o rosto iracundo cha-
mava-lhe interesseiro, maroto, affirmando
que já lhe não dava o pão. E desfechando-
lhe emfim a ameaça de o vender a um ci-
gano, entrava a tratal-o por senhor —sór
«Sultão»… ;
Mas o pequeno jumento ia andando muito
devagar… andando… orelhas baixas, pes-
coço cabido, a modo de arrependido, parece
que pedindo perdão da arrelia.
Nervoso, sapateando, o Thomé voltava a
cara para a outra banda, a rir como um
perdido. :
— Diabo do gerico! diabo do ratão!
Capaz é elle de fazer rir as pedras, o ma-
riola! — E tossia de engasgado, uma miga-
| Ihita de queijo na guela.la.@@@ 1 @@@
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTA, 26 DE JANEIRO DE 1899
Sciencias & Letras
08 DOIS GEGUINHOS
Cega. Ceguinha de todo, olhos sumi-
dos, chupados, como se em creança as bru-
xas dessem n’elles. As palpebras cerradas,
cahidas em pregas, lembravam as cortinas
d’um leito de noivado; — dir-se-hia que as
meninas dos olhos dormiam lá dentro, so-
nhando com os seus amores.
Nubil, na edade dos castellos d’oiro,
porque não era amada sentia mais a sua
desgraça, ralada d’uma tristeza intima, toda
do coração. Por ultimo, à força de se jul-
gar esquecida. indiferente, chegara a uma
phase de perturbação continua, ora cheia de
langores, ora sangue esbrazeante, escacho-
ando-lhe indomito, aos impetos. Toda a voz
mascula, clara, vibrante, com timbre de mo-
cidade, causava-lhe tremuras, sempre na an-
cia de ser amada, mas como era cega, quasi
nem reparavam n’ella—só por etiqueta,
que de resto, as homenagens sinceras, bro-
tando sem hesitações, aflorando espontaneas,
eram todas para as irmãs. Então, ao sen-
tir-se abandonada, interrogava-se tristemen-
te de que lhe valia ser princeza, e o rosto
reflectia toda a sua magua; enchia-se d’uma
dôr tão grande, tão afilictiva que, quem a
contemplasse, sentia apertar-se-lhe o cora-
ção e desviáva logo os olhos n’um desejo de
ser cego tambem, só para não conhecer
tanta dôr.
N’esses momentos cercavam-n’a solicitos,
com palavras compassivas, mas julgando
consolal-a, iam feril-a em cheio, que o seu
coração orgulhoso de princeza, nascido para
amar, não implorava piedade, queria amor.
Às. vezes, porém, resignava-se com a sua
desventura; o rosto acalmava-se-lhe e to-
mava O ar sereno, o recolhimento mystico
d’uma monja que morresse em graça.
Um dia sentiu cantar um beijo n’um
corredor e parou a escutar. Um pagem di-
zia palavras quentes, nunca sonhadas, a uma
das suas aias.
Nºesse dia teve febre, e à noite, sonhou
que um pagem a abraçava, que lhe beijava
a bocca, que a percorria toda; n’esse mo-
mento (sempre recordado) foi feliz, mas
quando despertou, conhecendo que estava
só, sentiu mais do que nunca toda a sua
desgraça, e chorou… chorou…
D’outra vez ouviu dizer que dois aman-
tes pobres, esquecidos a amarem-se, tinham
morrido de fome, poeticamente, dentro d’u-
ma cabaninha à beira d’um regato.
Invejou os dois amantes e disse para si
que mais valia ser pobre, nascer n’umas
palhas e morrer coberta de beijos, exte-
nuada de caricias, do que ser princeza e
morrer tambein á fome, mas à fome de beijos.
Uma tarde scismava Ella reclinada no
seu varandim de rendilhados irregulares, tão
violentos que magoavam todo o olhar que
ali pousasse — esculptura rara onde avul-
tava viva e palpitante a febre do genio, es-
pirrado desesperadamente, na ancia da glo-
ria, pelo gume dum cinzel.
Scismava — scismava nos tempos em que
tivera olhos lindos, lindos de causar inveja.
O extasi era profundo. Accordou-a o som
mysterioso de uma guitarra encantada. Di-
zem que, para esculal-a, até os rios paravam
e as pedras corriam. Acompanhava a gui-
tarra uma aria dolorida n’uma voz tão triste
que a princeza imaginou ser aquella voz o
echo da sua voz, ser aquella aria a sombra
da sua alma:
A voz calou-se, e Ella sentiu, com magua,
apagar-se lentamente, perdido ao longe, o
ultimo retalho d’essa aria sentida, dolorosa,
como o choro d’uma donzella que assistisse
ao noivo agonisanle.
Subito, a mesma voz ouviu-se, mas agora
vinha rasteirinha, humilde, voz de supplica :
— «Uma esmola, por piedade ao misero
ceguinho». ;
Alvoroçou-se a princeza, ao conhecer que
havia uma dôr egual à sua dôr, e ordenou
logo, imperiosa e anceiada, que lhe trouxes-
sem o cego da guitarra. (Correram pagens
a buscal-o.
Era formoso de estontecer, esbelto e
loiro, mas todo esfarrapado, de carnes à mos-
tra e pês descalços, ensanguentados, feridos
no-cascalho hostil caminhos.
Quando entrou no palacio e roçou os pês
pelos tapetes, quiz fugir, como se tivesse o
sentimento de que era um sacrilegio ir em-
boitar com os seus pés sujos, aquelle luxo
que elle não via, mas que advinhava nos seus
requintes orientaes, onde se espelhava fla-
grante todos os caprichos, todas as futilida-
des encantadoras da alma feminina.
Disseram-lhe, porém, palavras dôces, ca-
rinhosas, nunca antes escutadas, nem pre-
sentidas mesmo, e elle acostumado a ser
repellido, escorraçado impiedosamente, re-
animou-se, ficou todo orgulhoso. Quando o
mandaram cantar, deu à voz mais riqueza
de expressão; parecia que na sua alma de
artista ignorado, mas sublime,: divino, se
rellectia a riqueza de aquelles salões doi-
rados.
A princeza commoveu se a ponto de so-
luçar com felicidade; o sangue começou de
escaldar-lhe; acolheu-se ao coração com vio-
lencia, e quando o artista vibrou a ultima
nota, onde puzera todo o seu sentir, ella,
estontecida, excitada, lançou-se-lhe ao pes-
coço, n’uma arremetida brutal d’animal bra-
vio, beijando-o doidamente, allucinadamente.
– Foi uma loucura, uma orgia de beijos,
mas, não sei porque singular coincidencia,
beijaram-se ambos nos olhos, e os olhos,
sumidos, chupados, como se em creança as
bruxas dessem n’elles, começaram, ao con-
tacto dos labios ardentes, a crescer… a
crescer… té que subito — rebentaram; e
os dois amantes poderam ver-se, contem-
plar-se com amor. E não houve jâmais olhos
tão lindos, lindos de causar inveja…
Do Allucinados.
Alexandre de Albuquerque.
PRANVASIA
A… ALGUEM
Em doces cambiantes de luz
O luar vem batendo as ruas
Com’uma carícia meiga, de Jesus;
E eu, espreitando as janellas tuas,
Vagueio, ao accaso, feliz e sonhador,
Pensando em Ti, meu casto amor.
A natureza inteira repousa
E o subtil som de meus passos,
Resoando a medo p’los echos lassos,
Brandamente e a custo ousa
Perturbar a suave serenidade
Do vago silencio da obscuridade.
Gravemente — pesadas como bronze —
Cahem, uma’a uma, na esguia torre,
Às badaladas soturnas das onze
Como suspiro que p’las quebradas morre…
E o teu perfil de Deusa, alvinitente,
Debruça-se na janella vagamente…
A lua, semi oeculta por-negro véo,
Pouco a pouco, apparece n’amplidão ;
E com’uma caricia sensual, lá do Céo,
Deixa cahir suavemente, então,
Um cérulo raio, doce e opalino
Qne vem, alegre, beijar teu rosto divinol…
Rrbeira de Pena (Traz-
os-Montes) 1x-98.
Canavarro de Valladares.
e PR e
Tentativa d’arrombamento —
Larapios em fuga —- Tiro de
rewolver.
6
Na noite de 19 do corrente, os larapios
que ha tempos a esta parte enxameam a
Certã e seus arredores, tentaram arrombar
uma das portas do importante estabeleci-
mento commercial do sr. João da Silva Car-
“valho, à Praça do Commercio.
D’esta vez, porém, não conseguiram le-
var a effeito a sua obra, pois na oceasião
em que procediam a esse criminoso intento,
cahiram algumas barras de ferro que se
achavam encostadas interiormente à porta,
occasionando assim grande barulho.
Nesta altura todo o pessoal da casa ac-
cordou, tendo um dos empregados do sr.
Carvalho disparado um tiro de rewolver para
amedrontar os noclivagos industriaes, que,
ao verem-se descobertos, abandonaram o
local das suas façanhas em precipitada fuga.
pes g
MUNDO EM FÓRA
Um bisexto de menos
Muita gente está persuadida de que,
tendo sido bisexto o anno de 1896, sel-o-ha
tambem o de 1900, por se terem passado
os quatros annos habituaes de intervallo.
Pois d’esta vez a regra falha e só teremos
29 de fevereiro em 1904.
A razão é esta, que se encontra na obra
de P. Lafitte — Os grandes typos da huma-
nidade:
«Tinha-se attingido com o calendario de
Cesar uma perfeição suficiente? Ainda não!
yutes delle o anno era longo de mais, de-
pois foi demasiadamente curto; pouco, real
mente, pois que havia uma differença de
dez dias em 1500 annos, alguns minutos
por anno. Era necessario uma nova corre-
cção. Já, em 1414, Pierre d’Ailly tinha
proposto a reforma ao concilio de Constança
e ao papa João XXIII.
O concilio de Trento, ao separar-se, re-
commendou-a ao papa. Gregorio XIII, em
1582, com o auxilio do calabrez Lilio, le-
vou-a a effeito. Começou-se por supprimir
onze dias d’esse anno; depois, para que a
harmonia fosse constante, entendeu-se que
bastava supprimir tres bisextos em um pe-
riodo de 400 annos; um ligeiro artifício de
calculo forneceu a solução. Como todos os
annos cujo numero é.multiplo de quatro são
bisextos, e todos os annos seculares que
terminam por dous zeros são por essa razão
bisextos, e basta, portanto, supprimir tres
d’estes sobre quatro para que o resultado
seja obtido, Lilio propoz que só os annos
seculares cujo numero seja divisival por 400
fossem declarados bisextos: 1600 é bisexto:
1700, 1800 e 1900 não o são, 2000 é bi-
sexto».
—— mano (e
No emtanto, o «Sultão» ia avançando,
muito ronceiro, atê que tocava com o foci-
nho, levemente, nos joelhos do lavrador. O
Thomé sacudia-o:
—Sae-te p’ra lá ! dizia elle muito amuado,
sem se voltar. — Cuidas talvez que te não
conheço, cuidas? Já te não quero, vae te!
Mas como que irreflectidamente, fingindo
não querer, chegava-lhe ao focinho um pe-
dacito do pão, o melhor da fatia. «Sultão»
lançava um olhar obliquo, entre surrateiro
e medroso, levantava cautelosamente o beiço
superior, a tremer, e roubava-lh’o da mão.
Pazes feitas! Era então rir a perder,
n’umas casquinadas agudas, muito estridulas.
— Credo, homem ! dizia de cima, da ja-
nella, a sr.? Josepha. — Até pareces doido!
—Você assim rouba seu dono? Diga!
Você assim rouba seu dono? perguntava 0
Thomé, n’uns grandes gestos. —YVamos que
eu lhe não queria dar da merenda? Ladrão,
de mais a mais! … Ora bem! agora brinque.
Era precisamente o que o Thomé queria:
— ver 0 «Sultão» a brincar.
-«. Nada, com-effeito, meus amigos. que
mais divertisse o bom do lavrador, e melhor
o indemnizasse d’aquellas fainas laboriosas
que lhe consummiam os dias, impertubavel-
mente, perpetuamente, sob soes causticantes
e chuvas torrenciaes.
Por isso, era de ver como elle ria, com
uma boa vontade deliciosa, das «partidas» e
«diabruras» do «Sultão!» Às vezes, O pe-
queno jumento, ferido não sei porque vespa
invisivel, despedia sem mais nem menos
n’uma carreira aberta, focinho entre as per-
nas deanteiras, agitando a cauda, por aquella
rua fóra. Rompia de toda a banda n’um ala-
rido o rancho pacifico das galinhas, que já no
ar andavam como doidas, cacarejando, como
se um pé de vento as levasse. Accudia gente
aos postigos, às portas, às janellas, a ver a
polvorosa; e subito se inundava a rua de
rapazes, rotos, descalços, alguns quasi nús,
correndo atraz do burro, gritando-lhe, ace-
nando-lhe, espantando-o — como se o mesmo
vento de folia os houvesse varrido a todos,
varrendo a propria rua… E um lá ia a
terra, e sobre esse passavam os outros, e
sobre todos voava o «Sultão, » apupado, per-
seguido, acclamado, na malta espaverida dos
inimigos…
— «Sultão |» eh lã! «Sultão !»
Subito, como se lhe estalasse a corda,
o animal estacava, e logo de volta delle pos-
tava-se a rapaziada, mas n’um alor de nova
fuga, não lhe desse na bôlha atacal-os…
E abriam alas de repente, quando elle, to-
mado de novo accesso, voava para as bandas
do dono, que por se não deixar atropellar
investia com o «Sultão» de braços abertos,
o que era, já se vê, um modo de o abraçar,
fingindo medo. E vinham as gargalhadas:
estridulas, os rogos para que pozesse tre-
guas, as supplicas para que se accommo-
dasse, recuando o lavrador até ao ultimo
degrau da escada, onde se deixava cair, —
derrotado !
— P’ra lá, «Sultão!» p’ra lã! fazia então
o Thomé, oppondo-lhe os pés, desviando-o
apoiando-se nos cotovelos, mnito inclinado
para traz, a rir como um perdido.
Então o pequeno jumento estacava, offe.
gante: Mas prestes rompia a girandola dos
“coices, em que era eximio, sacudindo muito
as patas, cauda no ar, muito direita, ao
mesmo tempo que o Thomé solicito dava
aos rapazas O aviso de se arredarem — «por-
que era doido, aquelle demonio» !…
Outras vezes, parece que variando de
tactica, entrava de seguir muito cauteloso,
n’um ronceirismo perfido, como um borrego
ou como um cão, certa mulher que passava.
Até que lá ia uma focinhada; e logo após os
saltos do costume, respondendo com uma
ameaça de pinotes à surpresa da viandante.
— Dê, tia Loiza! bata n’esse maroto |
fazia de lá o Thomé, com ares de zangado.
E depois, batendo o pé, pedindo que lhe
dessem uma verdasca: — «Sultão» ! venha
já p’r’aqui! intimava.
E se encontrava um cão? Se encontrava
um cão, ia logo direito a elle, muito de va-
gar, cauda caida, orelhas murchas, n’um
cumprimento humilde de focinho. O cão re-
gougava, desconfiado, entreabrindo a den-

tuça, preparando a sua dentada. Não dava
o «Suitão» signaes de medo, e humilde pro-
seguia para o outro propondo paz. Mas ao
primeiro latido, recuava um passo, esper-
tando da sua indolencia passiva; e de espi-
nha arqueada ganhava o terreno perdido —
fitando impassivel o cão… O bruto formava
então o salto, regougando forte, o pêllo eri-
cado; e ao investir para a primeira dentada,
salvava-o de um pelo 0 «Sultão», evitando o,
até que por compaixão lhe de dava um pe-
queno coice, «mais feitio que outra coisa,
pondo em fuga o mastim, corrido, ganindo,
vencido :
— Eh!
Thomé,
E com duas palmadas na anca, espanta-
Ya-o emfim para o cortelho, dizendo ao cor-
rer a caravelha :
— Não ha dinheiro que te pogue, assim
me Deus salve !
E comido o caldo verde da ceia, nunca
o Thomé da Eira ia para a cama sem pri-
meiro descer a ver o «Sultão», — de candeia
na mão esquerda, e na direita, contra o so-
vaco, a bella quarta do grão, acogulada.
valente ! gritava-lhe então o
Continia,ia,@@@ 1 @@@
4 GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTÃ, 26 DE JANEIRO DE 1899
Og Og Tio
O DESGRAÇADO
Ão meu amigo Dominó
Eil-o alli na enxovia, negra, porca, infame — 7, 2, 9.
Onde o vicio o prostrou, tendo só quem exclame :
Maldito! Nojento! Cuspido da sociedade
dome ahi… dorme… não sintas a anciedade
de viver mais, que o teu viver immundo
deixa na sociedade um pesar profundo.
Passaste a juventude — um drama de miseria, —
envolta d’amante, gastando a parca feria — 1, 6, 5, 2, 6,8, 9, 7,2, 5, 6.
Mais tarde, o jogo ignobil, jogo maldito,
attrahiu-te, levou-te qual proscripto
que errante vagueia sem norte, sem rumo,
sem caminho directo, como as espiraes do fumo.
Seguiu-te o roubo infame, baixo, roubo triste
que te havia de levar à cova onde cahiste;
e, hoje, passado já tão triste fado
aponta-o a sociedade ; vêde : um Desgraçado! — 4, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9.
Certa.
Felistreques.
oposto
As criadas.
— Vocemecê póde ter as condições que
eu desejo, mas o que eu sei é que é dificil
encontrar uma boa criada.
— Isso é verdade! Mas o que tambem
posso dizer á senhora é que, se em lugar
de ser ama fosse criada, era sempre posta
no olho da ua, muito mais depressa do
que eu!
O juiz, a um réo accusado de arrom-
bamento:
-— Tem alguma cousa que dizer em
sua defesa ?
— Tenho, sim, senhor. Tenho a dizer
que me enganei na porta. Não era aquel-
la casa a que eu queria roubar.
Entre medicos:
— Então como vae o nosso Aria
— Ha tres mezes que veio das Caldas
e morrreu hontem,
— Não admira… as aguas não pro-
duzem effeito senão no fim de algum tempo.
e em im.
KALENDÁRIO DE JANEIRO
Domingo 1/8 /15/22/29
Segunda-feira 2/9 /16/23/30
Terça-feira 3 [10/17/24] 34
Quarta-feira 4 [11/18/25] —
Quinta-feira 5 [12/19/26|—
Sexta-feira 6 |13/20/27| —
Sabbado 7/14/24 /28| —
Quarto minguante E a 4.
Lua Nova & a 141.
Quarto crescente D a 19.
Lua Cheia & a 26.
—— amet (e
SERVICO DE DILIGENCIAS
Da Certã a Thomar (via Serna-
Ehe do Bom Jardim, Valles, e Ferreira do
Zezere). Sahe da Certã às 2 h. da t. e chega
a Thomar às 9 h. da noite; Sahe de Tho-
mar às 5 da m. e chega a Certã às 12 1/a
da tarde.
Da Certã a Proença a Nova.
Sahe da Certã à 4 1/5 da t. e chega a Proença
às 5 da tarde; Sahe de Proença às 5 da m.
e chega a Certã às 9 1/o da manhã. Esta
diligencia communica com a de Proença a
Castello Branco.
Da Certã a Pedrogam Pe-.
queno. Sahe da Certã às 2 da t. e chega
a Pedrogam às 5 1/a da tarde; Sahe de Pe-
drogam ás 7 da m. e chega a Certã às 10
da manhã,
ANNUNCIOS
Harpa
Vende-se uma harpa, de
Erard, sete pedaes, movimento
simples e em bom estado de con-
servação,
Quem pretender dirija-se q
Antonio Victor da Rocha.
CERTÃ,
João Marques dos Santos
FLORES DE MAIO
(Versos) ]
Um vol. Preço 400 réis.
Vende-se nas livrarias.
PROCESSO DREYFUS
CARTA Á MOCIDADE
POR
EMILIO ZOLA
Preço 50 réis
Acaba de sahir do prélo este vibrante
opusculo dirigido à mocidade academica.
Vende-se nas livrarias.
GUEDES TEIXEIRA
BOA-VIAGEM
POESIA
dita pelo auctor na recita de despedida
do quinto anno juridico de 97-98
Preço 200 réis
Vende-se no Porto, Empreza da ARTE
Editora.
SELLOS USADOS
Compra-se qualquer porção por bom
preço.
Dirigir-se a
LUIZ DIAS
Gertã
gal.
PYROTHECENICO
CERTÃ
David Nunes e Silva, com officina de pyrothechnia, encar-
rega-se de fornecer para qualquer ponto do paiz fogo d’artificio,
com promptidão e garantido acabamento.
Na sua oficina encontra-se sempre um grande e variado
sortimento de fogo de estoiros, e foi della que sahiu o fogo
queimado nos centenarios: — Antonino — de Gualdim Paes —
e da India, — (neste sómente o de estoiros e balõas), cujo
effeito tem sido applaudido pelo publico e imprensa.
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lã, linho e seda, mercearia, ferragens e quinqui-
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lenços, papel, garrafões, relogios de sala, camas
de ferro e lavatorios, folha de Flandres, estanho,
chumbo, drogas, vidro em chapa e objectos do
mesmo, vinho do Porto, licores e cognac; livros
de estudo e litterarios, tabacos, etc.
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garantindo-se a sua perfeição e nitidez.
“Encarrega-se de ir tirar photographias a qualquer ponto
deste concelho, mediante ajuste especial.
| Quem pretender dirija-se a LUIZ DIAS, Praça do Com-
mercio. “CERTA.CERTA.