Gazeta das Províncias nº3 24-11-1898

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“CERTÁ — Quinta feira 24 de Novembro de [898
sSemanario independente
ASSSICITA TU EA.
CERTÃ, mez, 400 rs. FÚRA DA CERTA, trimestre, 430 15. AFRICA, semestro, 1$000 rs. BRAZIL, semestre, 25500 15. Numero avulso, 30 ra.
Toda a correspondencia dirigida 4 Administração, R. Sertorio, 17. Os originaes recebidos não se devolvem
Ernesto Marinha — Director
RR o
FUBLICAÇÕES
Ko corpo do jorual, cada linha 80 rs. Anuncios, 40 rs. a linha. Repetição, 20 75. a linha. Permanentes, preço convencional; os srs, assiquantes
têm o desconto de 25 0/9, Testa folha é impressa na Imprensa Academica, R. da Sophia, Coimbra
Augusto Rossi — Editor
EE
NOVO EMPRESTIMOS
8
Como varios jornaes téem noti-
ciado, estão em experiencias na car-
reira de tiro em Pedrouços, diversos
modelos de armas de guerra, destinadas
à infanteria. |
Certamente que vivemos n’um paiz
de predularios, pois que aquelles que
nos governam, abstrahem de tudo
quanto possa ser util, para sómente
esbanjarem as ultimas migalhas que
repousam nos exhaustos cofres, do ar-
ruinado thesquro, em ninharias e cousas
de pequena monta, votando ao mais
completo abandono, tudo quanto nos
possa proporcionar um futuro, senão
bom, como desejamos, pelo menos mais
risonho que o presente,
O artigo que, com a devida venia
“ abaixo transcrevemos do nosso presado
collega as Novidades prova bem o que
deixamos dito, e senão analysemol-o
com attenção:,
O ARMAMENTO DA INPANTERIA
– Sr. redacior. — Permilta-me v. que eu lhe en-
derece estas poucas linhas, em additamento ao ar-
tigo, que sob esta epigraphe v. publicou no ultimo
numero do seu jornal, e que é firmado por duas
iniciaes, que denunciam o nome dum dos mais
distinctos officiaes militres. Eis 0 que tenho a dizer.
“As armas, que não matam ou de calibre extre-
mamente reduzido, são particularmente perigosas
na lucta contra as tribus selvagens, que atacam de
arranceda. Se o choque da bala nãoquebra o élan
do vigoroso assaltanto, este póde chegar até às li-
nhas adversas, e rompel-as, embora tenha sido gra-
vemente ferido.
O choque da bala despedida pela espingarda
Kroptatechek é tal, que o negro mais robusto será
derrubado na carreira, se fôr alcançado em cheio.
O que não aconteceria com as balas de calibre re-
duzido.
Se em Coelela, e nos outros quadrados da cam-
panha africana, os nossos soldados estivessem ar-
mados com espingardas que por fim matam, mas
não fazem parar o assaltante, é muito provavel que
o resultado final não fosse, como foi. Os negros te-
riam podido chegar ao corpo a corpo, em que teriam
grande vantagem pelo numero e pela agilidade.
Será, pois, gravissimo erro empregar nas cam-
panhas coloniaes espingardas de calibre reduzido.
A Kropatchek é excellente para isso. E visto que
não temos uma legião ultramarina propriamente
dita, e não podemos ter dois armamentos, parece-
me mais seguro, que fiquemos com aquelle, que
nos póde ser de mais util e mais frequente appli-
cação.
Nos estudos comparativos, que se tem feito,
sobre os effeitos das balas de diferentes calibres,
tem-se reduzido à unidade de Kilos a representa-
“cão do choque causado por ellas. A bala I da Kro-
patcheck derruba o homem mais rebusto. E” mate-
sialmente impossivel ficar em pé, depois de um tal
choque. O ferido fica logo inutilisado para o ataque.
Na campanha de Africa, algumas vezes se viu os
negros feridos ná corrida darem uma volta sobre
si proprios, em resultado das duas forças encon=
Í
| SOTres nos
tradas, como acontece aos coelhos, alcançados em
cheio por uma chumbada. Aquelle choque é egual-
mente capaz de fazer parar um cavallo em halope de
carga. Não suecede o mesmo com as balas de cali-
bre reduzido, que nem fazem parar o homem nem
o cavallo, se não tocarem logo n’um orgão vital.
Portanto, mesmo para as guerras continentaes, é
muito problematica a vantagem das espingardas,
que não fazem parar; e a tactica defensiva contra a
cavalaria terá de ser modificada, se o emprego de
estas armas prevalecer.
O mais importante, para nós, é a consideração
das campanhas coloniaes, E esse argumento pare-
ce-nos decisivo em favor da conservação da Kro-
patecheck. A
Um meliciano,
Não será mais vantajoso que o go-
verno, continue a adoptar no seu exer-
cito a arma Kropatechek, e que appli-
que metade da exhorbitantissima quan-.
tia que vae dispender, na construcção
de escolas, asylos e mais estabeleci-
mentos de caridade de que estamos tão
falhos?
Era melhor, e bem melhor, mas
aquelles que todo lo mandam pensam
sómente em pavorosas e acautelam as
costas emquanto é tempo,
E demais, não nos foi apresentada
ha annos uma arma de guerra, invento
dum distincto oficial do nosso exercito,
que lhe deu o nome? a arma Guedes,
e porque não a acceitaram ? certamente
e com dados affirmamos, que pelo sim-
ples facto de ser inventor della um
portuguez |!
E a prova está, em que adoptando
nós a Kropatchek que é de invenção
Austriaca, elles, os Austriacos, adopta-
ram no seu exercito a que nós, grandes
sabios regeitamos,. .. a arma Guedes.
Este facto e muitos outros de egual
jaez, provam bem a maneira deslei-
xada, com que são tratadas, no nosso
paiz, cousas que merecem attenção,
pelo menos d’aquelles a quem confia-
mos o governo, fiados sempre, mas em
vão, que nos levantem a cabeça um
pouco, do lodaçal em que os anteces-
encravaram, mas infeliz-
mente, nunca passaremos da cepa
torta!
OT.
ECHOS DA SEMANA
Diz-se que n’nm decreto que vae mui-
to brevemente ser publicado pelo minis-
terio da fazenda, se estabelece que o relaxe
das decimas de rendas de casas e sumptua-
rias se faça quinze dias depois de encerra-
dos os cofres, marcando-se no alludido de-
creto as suas datas. ;
E mais se determina que o pagamento
das referidas decimas se effectue dentro dos
semestres e não vencidos, como até aqui,
medida que virá a dar em resultado o con-
tribuinte ter de pagar no primeiro semestre
em que tal disposição vigorar duas decimas |!
— Defende theses perante a faculdade de
direito, nos dias 12 e 13 de dezembro, o
nosso presado amigo sr. José Joaquim Maria
Tavares, licenciado em direito, tomando o
grau de doutor no dia 18 do mesmo mez.
A dissertação inaugural intitula-se So-
ciedades commerciaes.
— Foi provido no partido municipal de
Alvaiazere, o sr. dr. Adriano José de Car-
valho.
—No sabbado proximo hãode arrematar-
se em hasta publica à porta dos paços do
concelho, a construcção d’uns muros de sup-
porte, proximo da Fonte da Boneca, no ra-
mal d’estrada d’esta Vila a S. João do
Couto.
—Concluiu naterça-feira a inquirição das
testemunhas, na acção ordinaria, em que é
auctor a V.º & filhos do dr. João Ribeiro
d’Andrade, d’Arnoia, e RR. os herdeiros do
dr. Barata Salgueiro.
— cce e
Bemaventurados os pobres d’espirito
— Porque d’elles é o reino dos Céos.!
O Echo da Beira ficou admirado — como
aliás não é de extranhar, pois anda sempre
espantadiço — com o facto d’esta folha pu-
blicar no seu primeiro numero o resultado
das eleições camararias realisadas no dia 6
do corrente.
Diz o collega :
«Oraa Gazeta é datada de 40, da Certa, e como
é impresso em Coimbra, saiu d’alli, pelo menos, no
dia 9. Os originaes deveriam estar na typographia,
o mais tardar, no dia 7 e para esse fim saiu d’aqui
o artigo ou informação no dia 6, o proprio dia da
eleição. a
E, ficamos a pensar como n’esse dia, à hora do
correio, o nosso presado collega sabia já dos segre-
dos da urna, incluindo os da eleição presidencial. »
Pense, pense… mas lembre-se que de
6a 9 vão 3 dias.
E, para convencermos. . . o collega, ahi
jhe estampamos o calendario d’este mez.
Domingo — | 6,/13/20/27
Segunda-feira —| 7/14/21/28
Terça-feira, 1] 8/15/22]29
Quarta-feira 2/9/16/23/30 |
Quinta-feira 3 10/17/24] —
Sexta-feira 4 |11/18/25|—
Sabbado 5/12] 19/26] —
Mas, não abane as orelhas, porque então
recambiamos-lhe a wnturi forti, que, de
resto, para nós não tem serventia alguma.
E diga depois que não somos amigos.
— capas
Para frequentar a Eschola Polytechnica
foi concedida licença registada ao nosso amigo
sr. Alberto dos Santos Pereira Monteiro, que
ha pouco assentou praça em cavalaria 4.
CHRONICAS LIGEIRAS
23 de novembro.
Amaldiçoada a hora em que tivemos a
funambulesca lembrança de abrir na Gazeta
das Provincias um chronica semanal consa-
grada às gentis certaginenses.
Qual Terror, flageilo d’esta pacata villa
escondida n’um canto da Beira-Baixa, assim
nós pensamos e tornamos a pensar, matuta-
mos é tornamos a malutar, sem que appre-
hendamos assumpto licito que satisfaça a
curiosidade natural das nossas leitoras.
Discorrer sobre a mã lingua indigena,
além de ser cousa feia, é tarefa ja de ha
muito arrematada pelo conspicuo Echo da
Reira. Como bons camaradas, não lhe dis-
putamos a palma de tão gloriosos predica-
tivos… N’esta parte descance o collega.
‘ 0
o o
Ão Echo da Beira agradecemos os con-
selhos paternaes que com tanto carinho nos
deu. Contrictos nos temos penitenciado por
havermos incorrido na cólera furibunda do
collega, mas… por esta vez perdoe-nos
que não tornamos, assim o juramos aos
nossos Deuses Penates. Se nós somos ainda
um menino !…
Bem fez o illustre collega em pensar.
E, pensou muito bem. — À caso não tinha
elle collega, ainda muito pequerrucho, de
calcinhas abertas, escripto artigozinhos lin-
dos, muito lindos, na Verdade, de Thomar?!…
— Acaso não tinha a redacção da mesma
: Verdade, publicado os taes artigozinhos, o
que só se explica por um d’aquelles im-
pulsos de generosidade e condescendencia
tão ferteis na classe jornalistica ? !
— Acaso não eram os taes artigozinhos
lindos, muito lindos, uma serie de incohe-
rencias que o seu auctor tão festejado ainda
hoje manifesta em tudo quanto escreve, ape-
zar de já ter tempo para se corrigir de tan-
tas barbaridades ?!…
— Pois não havia elle collega, personi-
ficado do seu director, dado tantas provas
da sua muita modestia, quando ainda ha
pouco tempo recordou nas columnas da re-
ferida Verdade, o seu inicio de jornalista
consumado e os applausos, de que então
fóra alvo ?!…
Porque havia pois de se admirar que o
seu menino apparecesse à ultima hora guin-
dado em jornalista ?…
Porque não havia elle agora perdoar à
Gazetinha as suas verduras? Demais, não
dissera ella verdades e só verdades, ainda
que amargas ?
Pensou, e… . muito bem.
Ersanma.
— ei
Por decreto ministerial de 12 do cor-
rente, foi approvado o regulamento para o
provimento e serviços dos arbitradores ju-
diciaes.
O quadro dos arbitradores judiciaes e
fiscaes é fixado em 48 para a comarca de
Lisboa, em 36 para a do Porto, em 48 para
cada uma das comarcas de 1.º classe, 14
para as de 2.º e 10 para as de 3.º
A esta comarca pertencem 14 arbitra-bitra-@@@ 1 @@@
do
dores, e acham-se já nomeados, por terem res-
pectivo concurse, os seguintes srs.: José
Belchior da Cruz e Possidonio Joaquim Bran-
ce, da Certã, Joaquim Lourenço, do Cidreiro,
José Nunes, do Rebaceia, Antonio Alves
Garcia e José Dias, da Madeirã, Manuel Sil-
va, da Delvira, José Martins, da Nova Colo-
nia, José Ribeiro, José Pires e Francisco
Ribeiro, da Sobreira Formosa, Manoel Fer-
nandes, do Sobral, e Manuel Alves Jorge,
d’Olleiros.
Ha portanto uma vaga que será preen-
chida mediante concurso feito perante o me-
retissimo juiz.de direito d’esta comarca.
EEE E
Fallecimento
Falleceu na sua casa de Valles, concelho
de Mangualde, o respeitavel avô materno do
sr. dr. Albano d’Oliveira Frazão, digno con-
servador e administrador d’este concelho.
O illustre extincto cantava 92 annos d’edade,
e ainda administrava a sua casa de lavoura,
assás importante.
A sua ex.” familia sentidos pazames.
NUNDO EM FÓRA
Expedição americana
ao Pólo Norte
O explorador americano Walter Wel-
man partiu, em 27 de junho ultimo, a bordo
do seu steamer especial Fridejof para as re-
giões polares. O fim da expedição é attin-
gir o pólo Norte, e explorar tambem as par-
tes septentrionaes, ainda desconhecidas, da
terra Francisco José.
No cabo Flora, na costa sudoeste da
terra Francisco José, desembarcarão dois
ou tres homens, emquanto que outros irão
à procura de Andrée, antes da volta do va-
por, em agosto. Seis homens, providos de
canoas ligeiras, de trenós e de cães, partirão
immediatamente para o Norte, passando suc-
cessivamente pelo ponto attingido por Ja-
ckson, depois pelo local onde Nansen e Jo-
hansen invernaram, e finalmente pelo Cabo
Fhgely (latit. 82º), que Payer attingiu em
1874. Um ponco para além d’este ultimo
ponto os exploradores construirão uma ca-
bana, onde passarão o inverno, alimentando-
se d’ursos, phocas e morsas.
Na primavera experimentarão chegar ao
Pólo, em trenós.
A duração da viagem, ida e volta, deve
durar 120 dias, o que representa de 14 a
16 kilometros por dia.
A questão da China. —
Os allemães
Relatam de Londres que a questão da
China continua a preoccupar intensamente
os politicos, temendo-se que a Russia e à
Allemanha precipitem os acontecimentos.
De Tsen-Tau annunciam que o principe
3 FOLHETIM
ODIO DE FIDALGOS
Almeida Mendes
«Alguns marinheiros com fachos accesos
lançaram se em duas canôas e percorreram
as aguas em que o navio estava ancorado,
mas foi-lhes impossivel encontrar alguem :
mandou logo o commandante dar signal de
revista à tripulação e aos presos e viu que
faltava o numero 15 destes, que era João
Ferreira; — «Rezemos-lhe pela alma, disse
elle, que era um valente homem.»
«Porém teu avó que tambem era habil
nadador havia galgado n’um momento a dis
tancia que o separava da terra e encaminha-
ra-se para o interior: da cidade de que era
conhecedor.
«Chegou a casa d’um judeu e disse-lhe
chamando-o à parte:
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTA, 24 DE NOVEMBRO DE 1898
Henrique da Prussia, irmão do imperador
Guilherme, partiu na manhã de 1.6, de Shan-
ghai, a bordo do couraçado Deutschland,
navio-insignia da esquadrilha que se acha ás
ordens do principe e da qual fazem parte os
cruzadores Gefion e Kaiserin Augusta.
Alta gatunice. —
Falsa carta d’um principe
O principe Adolpho de Baviera instaurou
processo contra uma tal Maria Flechsel’por
causa d’uma interessante escroquerie por ella
praticada. No anno passado, essa mulher-
sinha escreveu ao principe uma carta, pe-.
dindo uma esmola; o principe mandou res-
ponder pelo seu secretario que não satis-
fazia o pedido. Ella conservou o sobre-
seripto e substituiu a carta de negativa por
uma missiva em que se reconhecia que Ma-
ria Flechsel era filha do duque d’Alençon,
sogro do principe, e se promettia à mulher
a somma de 40:000 marcos. A letra pa-
recia-se extraordinariamente com a do se-
cretario de sua alteza.
Maria Flechsel iniciou uma serie de es-
croqueries; o cheiro dos’ t0:000 marcos ar-
ranjou-lhe um marido, um taberneiro de
Bamberg e com o documento falso conse-
guiu apanhar algumas sommas.
Agora acha-se presa, como tambem seu
irmão, creado de café, que se julga ser ‘o
autor da carta incriminada.
Rocambole inglez.
Realosou-se ha poucos dias em Londres
o enterro do Rocambole inglez, — que não
era immortal como o seu homonymo da
França.
Nenhum outro nome, que o de Rocam-
bole, quadra ao famoso Thomaz Castro, que,
depois de ter sido carniceiro na Australia,
se fez passar durante oito annos, em Ingla-
terra, pelo legitimo sir Roger Tichborne,
usurpando a collossal fortuna deste, e como
tal travou intima amisade com o principe
de Galles, sendo tratados de egual para
egual pelos fidalgos mais distintos da altiva
aristocracia britannica.
São extraordinarias as analogias entre
a historia de Thomaz Castro e a de Rocam-
bole.
O legitimo sir Roger Lichborne saiu de
Inglaterra muito moço o levou durante al-
gum tempo vida de aventureiro, sem que a
familia podesse averiguar nunca onde elle
se encontrava. Suppõe-se que morresse ty-
sico em algum hospital da Australia, tendo
dado n’elle entrada com nome supposto.
Thomaz Castro occupava, sem duvida,
uma cama ao lado da sua e captou a sym-
pathia do nobre vagabundo. Provavelmente,
este confiou-lhe o segredo da sua persona-
lidade e consolou-se nos ultimos dias da vida,
falando continuadamente de sua velha mãe,
da casa paterna e das recordações da in-
fancia.
ecra ra
— «Mestre Zacharius, sabe o que signi-
fica este traje?
— «E verdade, respondeu elle, ainda
agora reparo: oh meu rapaz, que diabo foi
isto, que mudança foi essa desde a ultima
vez que aqui estiveste? Como se operou isso ?
— «Da maneira mais natural, mestre :
fomos assaltados quando davamos caça a um
mercante inglez; arpoaram nos galhardamen-
te depois de muita metralha e queriam man-
dar me a mim assim como aos meus com-
panheiros para o desterro, que cá para um
homem, como eu, era o mesmo que uma
forte pancada que me levasse o leme e dei-
xasse em riscos de correr arvore secca. Não
me conveio isto e hoje de manhã puz-mea
matraquejar: com a cabeça. a vêr como me
safaria: dei no vinte, como costuma dizer-se,
e ha pouco larguei os pannos dos rizes, fiz-
me ao mar largo com vento de feição até
que vim aqui varar. Que me diz agora, mes-
tre Zacharius ?
— «Que és o diabo em pessoa e mais
| nada; mas que queres tu ?
Thomaz Castro, homem esperto e de
boa memoria, não deitou em saeco roto nada
do que o enfermo lhe dizia e, quando este
expirou, roubou-lhe os poucos papeis que
possuia, tro ou-os com os proprios e decidiu
transformar-se em sir Roger Tichborne,
aguardando tranquillamente que passassem
em nome de Thomaz de Castro a certidão
de obito.
Como Ulysses, segundo refere Homero,
e com o visconde a quem Rocambole sup-
planton, o legitimo sr Roger tinha tambem
uma cicatriz pela qual algum antigo-criado
o poderia reconhecer.
Castro, mais cauteloso que o proprio
Rocambole, fez uma ferida, a fim de mais
arde apresentar uma cicatriz identica à do
fallecido nobre.
Poucos mezes depois, lady Tichberne,
meio cega e meio perturbada pelos muitos
annos, abria os braços áquelle que julgava
seu filho Roger, seu filho adorado, seu unico
filho, que ao cabo de tantos annos abando-
nova a vida errante. para occupar o seu lo-
gar na alta sociedade e para consolar a ve-
lhice da mãe. Foi um grande acontecimento
em Londres e reapparição de sir Roger.
Castro desempenhou muito bem o seu
papel e as faltas de educação proprias de
um ex-carniceiro e de um homem de limi-
tadissima cultura, que se notavam n’elle,
foram attribuidas à vida que desde tão moço
tinha levado sir Roger.
Os inglezes, e sobretudo as inglezas,
gostam apaixonadamente de tudo o que chei-
ra a romance, e, graças ao pittoresco da
vida do bohemio, passavam em claro os mo-
dos vulgares que elle manifestava constan-
temente.
“As unicas pessoas que, desde o primeiro
momento, suspeitaram: de Castro foram os
primos de sir Roger, os quaes estavam dis-
fructando tranquillamente a sua herança e
o seu titulo e que tiveram de ceder uma e
outro ao recem-chegado. Estenderam laços
ao usupador, — mas Castro não caiu n’elles.
Então, começaram a fazer investigações
na Australia. Gastaram rios de dinheiro.
Todavia, conseguiram obter provas sufficien-
tes para arrancar a mascara a Castro e de-
nuncial-o aos tribunaes.
O litigio durou annos. Em favor do sup-
posto sir Roger manteve-se sempre uma
agitação mais funda do que a que depois
devia produzir a causa da autonomia da Ir-
landa.
Os innumeros partidarios de sir Roger,
exaltadissimos, promoveram manifestações
publicas em favor daquelle que á voz geral
considerava victima innocente de um infame
mexerico de familia.
Chegou a fundar-se um periodico para
tratar exclusivamente da sua causa e as
subscripções affluiram em grande numero
para custear as enormes despezas da defeza
p’aquelle processo complicadissimo, que pa-
recia interminavel.
Castro foi condemnado a presidio. Cum-
prida a pena, sem dinheiro e com um bom
— «Muito pouca cousa: simplesmente
uma roupa de criado de colono e mais nada.
— «Isso arranja-se depressa ; no entanto
has de sahir logo, que eu não quero passar
trabalhos por tua causa.
— «Ah! ah! ah! Está enganado: a estas
horas julgam-me morto no fundo do rio e
talvez já me tenham rezado por alma.
«João Ferreira após instantes estava muito
bem disfarçado e passados alguns dias en-
trava n’uma galera com direcção ao Pará. Em
tres annos de consecutivas fadigas pôde au
gariar uma fortuna de alguns contos de réis.
Habitava então numa sumptuosa casa em com-
panhia de uma dama que viria a ser tua avó.
«Um dia elle e diversos amigos trataram
uma caçada no matto : chegando, à noute, à
xacara de um dos caçadores enfretiveram-se
a esfolar uma guariba, que fôra a principal
presa d’aquelle divertimento.
«No meio do banquete quando as libações
se seguiam repentinamente, João Ferreira
foi interrompido por um dos seus amigos, que
| pressuraso 0 procurava por toda a cidade :
par de annos sobre as costas, teve, no en-
tanto, a coragem de sustentar o embuste
até aos ultimos momentos. Não vacillou um
instante, sequer, durante trinta e tantos an-
nos de lucta! Morreu afirmando que era
elle o legitimo sir Roger Tichborne, e as
suas ultimas palavras foram para pedir que
gravassem na lapide mortuaria o aristocra-
tico appellido.
Assim acontecerá, porque sua esposa,
modelo de abnegação e de virtude, como a
de Dreyfus, não duvidou nunca da innocen-
cia do esposo.
Nobres e gentillissimas almas !
CHRONICA ELEGANTE
Regressou a esta villa 0 nosso amigo o
sr. Antonio Dias Tavares, zeloso chefe da
estação telegrapho-postal, que em goso de
licença se ausentara do seu logar por 15
dias. Já assumiu as funcções de seu cargo.
x
De passagem para a capital, esteve nesta
villa, o ex.Ӽ sr. Conselheiro Alfredo Augnsto
de Mendonça David, meretissimo juiz da re-
lação de Goa.
*
Esteve nesta villa o sr. Izidro d’Oliveira
Braz, inteligente professor da freguezia de
Pezo.
we
Esteve entre nós o sr. Domingos Del-
phim Coelho, de Pedrogam Grande.
*
Regressou da Villa d’Alvaro, onde foi
visitar sua ilustre familia o nosso amigo
Eduardo Barata, digno secretario da admi-
nistração d’este concelho.
*
Tem passado incommodado de saude o
sr. José Custodio Martins Vidigal.
; *
Sahiram para o Porto os nossos sympa-
thicos amigos Antonio Ferreira Alberto e
Luiz Domingos da Silva, conceituados com-
werciantes da praça do Pará.
x
Regressou de Lisboa, o nosso presado
amigo José Gabriel da Fonseca Diniz, habil
escripturario de fasenda d’este concelho.
: x
Sahiu para Alcains, o revd. sr. Fran-
cisco dos Santos e Silva, dignissimo parocho
desta freguezia. Foi visitar sua respeitavel
mãe, que a doença ha muito tortura, e por
quem s. ex.* tem os mais affectuosos cui-
dados.
m*
Está n’esta villa o sr. Manuel Teixeira,
de Lisboa, filho do nosso amigo sr. João
José Teixeira, digno escrivão e tabellião
desta comarma, que continua gravemente
doente.
w*
— «Vem depressa, lhe disse, vem de-
pressa que Leonor está a expirar.
— «Que dizes ? perguntou estupefacto e
empallidecendo de subito.
— «A verdade: vem commigo e verás. |
«Teu avô seguiu-o e em breve contem-
plava um horrivel quadro: a infeliz mulher
jazia abrazada estorcendo-se nos paroxismos
da morte sobre fino leito: apenas o rosto,
modelo vivo de uma virgem de Raphael,
havia escapado às chamas.
— «0h, meu Deus! exclamou elle ajoe-
lhando-se ao lado de Leonor, como os teus
decretos são horriveis ! Que te fiz eu, Deus
terrivel, para assim me cavares a morte len-
tamente ? Aquelle que te chama pae, enga-
Da-se… tu és um Lyranno…
— «Cala-te, murmurou lua avó com um
accento que o leve soprar de briza sonegaria,
cala-Le, não sejas impio. Morremos, eu e meu
filho… sinto-o dentro de mim… Oh, meu
filho !… meu filho!… João, eu vou mor-
Fer… sinto avançar 0 negro carro da morte.
que já me estorca a garganta com as suas,as,@@@ 1 @@@
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTA, 24 DE NOVEMBRO DE 1898
os
em
Acha-se encommodada de saude a mãe
do nosso presado amigo padre José Farinha
Martins, digno capellão do regimento de in-
fanteria 14.
*
Regressou a Sernache do Bom Jardim,
o nosso presado amigo, sr. José Diniz da
Silva Mendes, abastado proprietario.
Sciencias & Letras
AS CORRERIAS
«| Hourra cosacos del desierto, hourrál
La Europa os brinda esplêndido botin;
Sangrienta charca sus campinas sean,
De los grajos su ejército festin.»
ESPRONCEDA,
Canta, bardo, canta! Tu que tens tan-
tos annos como .o mundo, e cujas primeiras
madeixas começaram a embranquecer-te no
mesmo dia em que se plantou a grande faia
de Berderiz.
Canta, bardo, canta! Decano dos nossos
improvisadores; cantor dos nossos festins ;
dos nossos feitos guerreiros; dos nossos
amores.
Canta a boa vinda dos nossos irmãos do
valle de Bertizarana, do Baztán, de Aezcoa,
de Erro, e do Roncál!
Saúda com o teu «lecayo», mais sonoro
e prolongado, aos nossos irmãos de Elzupél,
de Otsobide, Hérnio, e Aitzgorri.
Eil os coroando a mesa do festim, per-
cursor de nova correria.
E escura a noite, e o vento sibila atra-
«vêz das arvores de Irati, obrigando a escon-
der o pardo focinho ao lobo das montanhas.
É escura a noite, e turbilhões de neve
giram rapidos no porto.
E uma noite aprasivel para nós, filhos
das montanhas e das tempestades.
É uma noite que assusta as matronas
romanas, e faz estremecer no brando leito
o sibarita filho do Tiber.
Entrar-lhe-hemos, de acha erguida, nos
jardins povoados de estatuas, nos palacios
de marmore, nos dormitorios cobertos de
seda.
Comer-lhes-hemos nas mesas de mar-
fim, e esgotar-lhes-hemos os vinhos de Sy-
racusa e Chypre,. em vasos de oiro e pe-
drarias.
As nossas mulheres farão dos mantos
de purpura, de que elles usam, pendões
que nos sirvam de guia nas batalhas; e en-
trançarão os cabelos com os cordões tecidos
da prata de seus cothurnos. |
O chefe das fronteiras ouvindo o «irrizi»,
confundil-o-ha com o ruido do furação; e
atravessaremos a planície ligeiros. como o
vento.
Os romanos crucificaram os nossos pri-
sioneiro; e nós devastar-lhes-hemos as ci-
dades e os campos.
E ao fulgor do incendio, nossos filhos,
GE O
gelidas mãos… Como isto é custoso. .. eu
amo-te tanto, tanto… e meu filho ?
«Contorceu-se, crispou os dedos e fene-
ceu dando à luz uma criança que o desgra-
cado recebeu nos braços. Pintar-te a dôr de
teu avô é-me impossivel: veda-m’o tambem
a amargura que embacia o meu peito ralado
de desgostos. Passados quatro annos voltou
para Portugal onde viveu modestamente :
contava dezasete tua mãe quando a conheci:
e nasceste tu, meu filho, sem que conse-
guisse licença de meus fanaticos paes para
nos unirmos.”
«João Ferreira a este tempo já tinha com-
parecido ante a presença do Altíssimo a dar
contas dos seus actos terrenos. Aos 22 an-
nos liguei-me à egreja, e aos 25 dizia a mi-
nha primeira missa. Mas com que pezar,
que-«ristezas me opprimiam o coração que
era escravo de tua mãe? Desde esta occasião
nunca mais a Vi…
— Morreu, respondeu Pedro soltando um
suspiro dilacerante.
Pae e filho ligaram-se em estreito abraço
coroando as cristas dos montes, entoarão
hymnos de victoria.
Canta, bardo, canta! Esta é a hora da
excursão; O bufo grita nas fendas, o lobo
occulta-se nas cavernas; a aguia, temorosa,
esconde o bico debaixo da aza.
Porque para todos os seres a noite é
horrivel ; para todos, menos para nós, filhos
das montanhas e das tempestades.
Eia! irmãos, ávante! Já bebemos o ul-
timo vinho, e comemos o ultimo pão, e nos-
sos filhos pedem mais.
Venha a taça cheia de leite azedo já, é
bebemos o trago da partida.
Avante, meus filhos! Fazei que durmam
nossas mulheres, e se callem nossos mastins.
Assim fallou o chefe de Izalzu, e gran-
des acclamações resoaram. nas rocas de Or-
bara; e a torrente, que depois tomóu o nome
de Irati, deteve o rapido curso.
Hora depois atravessavam os montanhe-
zes as desertas paragens de Monllig e As-
tarãc.
À direita, nas sombras da noite, appa-
reciam, como esqueletos de elephantes gi-
gantescos, os altares druidicos de Asté, Sem,
Nestos, e Héas.
Lá descem, e desembocam das gargan-
tas tenebrosas de Zulogaraya, Izotzce e Asa-
rosta, nas ferteis planícies de Novempopu-
lania.
Porém descem silenciosos e sinistros
como a vaga negra e immensa, primeiro
alento do furacão que de noite surprehende
o descuidado navio.
A Novemp:pulania dorme no meio dos
jardins e das flôres; os esplendidos palacios
de marmore de Paros e de oiro da Ethiopia,
exhalam-lhe, por entre as columnas dos pe-
ristyllos, os perfumes do festim da noite.
E descem, e descem os filhos das mon-
tanhas; descem como bandos de aves aqua-
ticas, envoltas no manto lugubre das tem-
pestades.
As atalaias das fortalezãs romanas des-
cobrem a cabeça. e largam as lanças, para
dormirem à vontade.
Porque a montanha está distante, e ne-
nhum ruido vem d’alli; porque a borrasca
cresce, e a noite continúa horrivelmente
negra-
As aguas do Adour e do Nive em bre-
ve desapparecem à passagem da multidão,
que silenciosamente os vadein.
Nem se ouve o relincho do ginete guer-
reiro; nem se vê ondular o vermelho estan-
darte das tres mãos ;-nem se despertam os
eccos com O «irrinzi» de guerra.
Virgens de Lehéren, de Jicilo e Arár!
repousai tranquilas. O vosso pretor dorme
tambem, assim como os vossos legionarios.
Só póde agitar-vos o somno a grande
voz da tempestade, ou a ultima vibração
das cordas das citharas de oiro,
Porém, durante a insomnia, sorrir-vos-.
heis à imagem do patrício que vos subjugou
o coração, pondo na fronte o diadema do
triumpho nos jogos hippicos.
E A RISO a aaa ee
e de seus olhos correram abundantes lagri-
mas.
III
Gue festa brilhante no alto palacio!
Que salas immensas de ricos ladrilhos !
Que gozos ethereos! que galas sublimes!
Que pompas! que luxos! quo luzes; que brilhos!
FERNANDO DE VILHENA. — Murmurios d’alma —
A noute é amena: no céo, qual manto
bordado a ouro, ostenta-se brilhante a lua,
que derrama seus luzentes raios sobre a
terra: tudo é silencio, mas d’esses silencios
maviosos que produzem na alma um bem
estar indefinivel, que a arrebatam em extasis
a paragens desconhecidas. Como é formosa
uma d’estas noutes | como são maviosas as
sensações em nós produzidas! A lua, en-
volta em véo de melancolia, as estrellas for-
mando-lhe luzido cortejo, a terra adorando-as
com submissão e enlevo —eis um quadro
E fareis ben; porque a montanha está
distante, e nenhum ruido vem, d’alli; por-
que a borrasca cresce, e a noite continúa
horrivelmente negra.
Divisa-se um ponto vermelho nos ulti-
mos confins do horisonte; outro ponto ver-
melho mais áquem; outro mais proximo,
outro e outro.
Oh! Como se estendem os focos lumi-
nosos! Como fervem as aguas dos rios!
Que de clamores se envolvem no ruido da
tempestade |
Que sombras são essas que percorrem
a vasta planicie? Que fumo é o que assim
se interpõe, como lençol funerario, entre a
terra e o firmamento? . |
Canta, bardo, canta! Canta a correria
“dos filhos dos montes e das tempestades !
As archas gotejam-lhe sangue; seus ho-
mens vem corregados de despojos.
Canta, bardo, canta! Que tua voz so-
nora espalhe, pelos bosques e selvas de
Cahella, de Belaya e Ahaide, a victoria dos
filhos Aitor.
Canta, bardo de alva barba! Nossas
creanças terão pão branco, e vinho roxo até
se saciarem, e nossos chefes crucificados
em Kuruceta e Izascun, sorriem-se dentro
dos sepulchros.
O filho do Tiber, fica alli em baixo, en-
tre as ruinas dos palacios incendiados.
Na proxima primavera, a espinhosa tilia
de amarelenta fior povoará os desvastados
jardins.
Adeus, meus irmãos, adeus; na corre-
ria immediata, vadearemos o Ebro, & o nosso
«irrinzi» guerreiro chegara até Moncayo.
(Trad. de Brito Aranha).
A. Guitz.
VARIAS NOTICIAS
A letra da balada de despedida da recita
do quinto anno theologico-juridico será do
sr. D. Thomaz de Noronha, quintanista de
theologia, e a musica do nosso particular
amigo sr. Antonio Ildefonso Victorino da Silva
Coelho, quintanista de direito.
— Vae encetar-se na villa de Mação a
publicação de um novo semanario intitulado
Jornal de Mação, que sahirá aos domingos,
devendo apparecer o 1.º numero no dia &
do proximo mez de dezembro. Será indepen-
dente, litterario e noticioso, advogando os
interesses d’aquelle concelho.
— Vão muito adeantados os trabalhos do
chalet da ex.”º sr.º D. Emilia Grande, con-
struido n’um dos pontos mais pittorescos
d’esta villa.
— Já começou a apanha da azeitona, que
promette ser em maior quantidade que no
anno anterior, Os lavradores estão animados.
acer EG E Ta
PROVIDENCIAS
Pedimos a attenção das auctoridades
competentes para o pessimo serviço que fa-
zem os vehiculos d’entro d’esta villa.
Todos correm à porfia, sem attenderem
aos graves prejuizos que pódem resultar do
tão insensatos como tresloucados diverti-
mentos. Achamos mais acertado, para quem
quizer mostrar a fogacidade dos seus caval-
los, escolher sitio mais apropriado que as
ruas da Certã, onde o movimento é bas-
tante.
Não é nossa intenção. «zupar» ninguem,
e só esperamos para as nossas reclamações
justo defferimento.
ANANDA
Sem agasalho nem dó
Em abandono profundo,
Caminho chorando, só,
Só!
Sem um amigo no mundo.
Levou-os a garra ádunca
Do tempo, e agora na vida
Já sei que não volta nunca,
Nunca!
A dita uma vez perdida.
Eis a sentença lavrada
Da minha sorte futura;
Não terei um pranto, nada,
Nada!
Sobre a minha sepultura.
— À quem amas tu mais, confessa, pois:
É a mim ou a Deus?
— À Deus, já vi!
— Ah! com que então a Deus?
— Aos dois, aos dois |
(E depois, em segredo) A ti, a til
Cahiu-te uma perola só do colar…
Cahiu-te no seio ;
Ao fundo do pélago fui-a buscar
Tremendo de anceio,
Que tépido ninho! que brando calor |
Que doces aromas!”
Dormia um casal n’esse ninho de amor…
Dormiam as pômas,
J. M. Bartrina.
MARCO POSTAL
Oleiros, 214. — Ancioso acabo de
lêr o novo periodico da pittoresca e aprazi-
vel Certã. Anima-me tudo quanto é pro-
gresso e civilisação: não pude deixar de o
acolher com immensa alegria.
A mesquinhez de nossos recursos nada
permitte fazer-lhe em seu auxilio; resta-nos,
porém, a boa vontade que nos não poupará
a sacrifícios de qualquer hatureza. É da
união que provem a força. E ao concurso
d’aquelles que prezam seus amigos, dos que
amam a sua terra, dos que estimam a sua
patria, que dependerá o bom futuro da Ga-
zeta das Provincias. Que seja bem vinda.
— De visita a seu mano João Cardoso,
digno pharmaceutico aqui estabelecido, acha-
se nesta villa a menina Lucinda Cardoso,
de Cardigos. C.
+
que só se pode imaginar, mas não de-
serever.
Reina a animação no sumptuoso solar
dos Mascarenhas, nobre familia que vai pro-
curar a sua descendencia a um ramo da do
conde D. Henrique: o salão, iluminado por
grande numero de luzes, está adornado com
todo o esplendor : occultam as portas e as
janellas custosos reposteiros e cortinados de
damasco.
Vê-se alli reunida toda a fidalguia da
terra: nas faces rugosas dos srs. Mascare-
nhas, representantes de muitas gerações in-
veteradas no pô dos. seculos e carcomidas
arvores genealogicas, nota-se a affabilidade
que dispensam a todos os assistentes. As
damas vestem no rigor da moda: aqui os-
tenta-se um penteado digno rival de nova
Babel na caçeça de uma formosa senhora,
alli apresenta-se uma outra envolta n’uma
floresta de laços que fazem lembrar qual-
quer artigo de brilhante exposição.
Os cavalheiros imitam-n’as : não lhes fal-
| tam a classica casaca, que sô serve uma
vez por anno, os tufos da camisa e as ga-
lanterias que dispensam com comica affe-
ctação ao bello sexo.
— D. Vasco, exclamou um alferes de
lanceiros assestando a sua luneta a uma
dama vestida de verde que se destacava n’um
grupo pela sua mimosa belleza, como se
chama aquella fada ?
—Calharina, respondeu este olhando fria-
mente para tudo o que se passava à volta
de si.
— E’ na verdade muito bella.
— Não vos enganaes, D. Estevão: rosto
mais fascinante nunca o contemplaram olhos
humanos, mas…
— O que?
— E” uma virtude.
— Mau: é fortaleza bem difficil de tomar
assalto. Podeis apresentar-me ?
— Sinto muito dizer-vos que não : as mi-
nhas relações com D. Catharina são poucas
e para vos fallar a verdade tenho receio de
corromper a atmosphera em que ella vive…
de
Cantina,na,@@@ 1 @@@
4
GAZETA DAS PROVINCIAS — CERTA, 24 DE NOVEMBRO DE 1898
PHYLARMONICA
Ê
O director da phylarmonica certaginense,
o nosso presado amigo Antonio Leitão, pen-
sa em contractar para aquella sociedade um
mestre de musica devidamente habilitado.
Para levar a cabo o seu justo intento,
espera que as pessoas mais gradas d’esta
terra e os patrícios, ausentes della, concor-
ram com uma pequena quota mensal, para
sustentação d’aquelle elemento quasi indis-
pensavel à nossa phylarmonica, que apesar
dessa lacuna, gosa ainda dos melhores cre-
ditos, porque tem musicos muito habeis e
dedicadissimos ao estudo. Ao seu trabalho
e amor proprio, deyemos nós a restauração
da phylarmonica, que após uma existencia
de 50 annos, se viu quasi agonisante.
São por isso dignos dos maiores elogios,
e senão tem sido poucas as difficuldades com
que teem luctado, anima-os a esperança de
que o futuro promette ser mais prospero,
porque tendo hoje ao seu lado um amigo 0
seu protector como é o sr. Leitão, que lon-
ge de ser faccioso, é um entrepido e sincero
defensor da sua terra, a phylarmonica recu-
perará o nome glorioso de outros tempos.
E já que falamos em tão interessante
assumpto, lembramos um professor de mu-
sica que por muitos meios convinha à Certã.
É o sr. Lança, actualmente aqui, e que allia
aos superiores dotes musicaes uma grande
competencia para a arte de Thalma. É sem
duvida-um mestre de musica distincto, e a
par da boa musica teremos alternadamente
algumas recitas em que tomará parte o nosso
amigo.
Aproveitem pois este alyitre
= rei dp
TEEATRO
Subiu à scena no sabbado ultimo, o dra-
“ma em 2 actos e 4 quadros — Scenas da
guerra Carlista.
Agradou bastante tanto o enredo como
o desempenho da peça, o que mereceu aos
interpretes grandes salvas de palmas.
A recita foi em beneficio dos noveis ar-
tistas Beatriz e Noé, que colheram do publi-
co geraes sympathios
Felicitamos a actriz D. Estephania, que
mostrou no seu dificil papel, muitas apti-
dões para a scena, compenetrando-se do seu
papel com uma habilidade superior.
Hoje ha recita em beneficio da phylarmo-
nica, e esperamos do publico a indispensavel
coadjuvação.
No domingo sobe à scena; pela primeira
vez nesta villa, 4 Fada Bhosforina, em que
tomam parte os curiosos dramaticos Leitão,
Moura, Fructuoso, Adrião e Rossi.
Espera-se concorrencia, pois a recita é
de despedida.
— — nego (e —
UTILIDADES
Maneira de tirar o cebo das golas dos casacos
e forros dos chapeus
Com uma escova macia molhada: em am-
moniaco se esfrãga a parte -encebada, O am-
moniaco desfaz o cebo e fórma uma escuma
egual à do sabão.
Quando o cebo estiver desfeito, com uma
outra escova molhada em agua limpa, lava-
se muito bem. Este alcali póde-se empregar
para tirar nodoas de azeite ou gordura, ainda
que as fazendas sejam de córes, porque as
não destroe.
Maneira de conservar vinho
ou agua fria sem neve
Encha-se um cubo ou cantaro com agua,
e dentro colloquem-se as garrafas ou frascos
com o vinho ou agua, que se desejam re-
frescar.
“Em seguida na agua do cubo, se colloca
um cylindro ou pedaço de enxofre.
No fim de duas horas as garrafas ou
frascos de vinho ou agua, sahirão como se
estivessem mettidas em gelo.
——— Ep ef ama —
Um official francez, tendo sido ferido de
bala, numa perna, foi transportado para o
hospital de sangue, aonde se lhe prestaram
todos os soecorros. Assistiram-lhe os prin-
cipaes cirurgiões, que durante oito dias não
fizeram outra cousa senão sondarem-lhe a
ferida. O official que padecia dôres horro-
rosas pergunta-lhes uma vez o que procura-
vam elles.
— A bala que o feriu, respondeu um dos
facultativos.
— Com mil diabos ! Porque não mº dis-
seram ha mais tempo ? A bala tenho eu na
algibeira das calças.
*
— Porque diabo cortou vossê as orelhas
ao seu cavallo ?
— Eu lhe digo, o cavallo era assustadiço;
em vendo ao longe um vulto espetava logo
as orelhas, e eu para lhe tirar a manha cor-
tei-lh’as.
ANNUNCIOS
EDITOS DE 80 DIAS
2.º ANNUNCIO
Pelo juizo de Direito d’esta comar-
ca, escrivão Gonçalves e nos autos d’in-
ventario orphanologico por obito de
João Martins, morador, que foi, no
logar do Almegue, freguezia de Serna-
che do Bomjardim, d’esta comarca, em
que é cabeça de casal o conjuge sobre-
vivo Rosa de Jesus, do mesmo logar,
correm editos de trinta dias citando o
herdeiro, sobrinho do inventariado, au-
sente em parte incerta, Custodio da
Silva, casado com Maria da Conceição,
esta moradora no logar do Pereiro,
d’aquella freguezia, o qual é filho de
Rosa Ribeiro, — aliás — Maria, casada,
que foi, com José da Silva, aquella
irmã do inventariado, os quaes são-am-
bos fallecidos, para assistir a todos os
termos, até final, do alludido inventario,
sem prejuizo do andamento d’este.
Certã, 10 de novembro de 1898.
E eu Francisco Cesar (Gonçalves, es-
crivão o subscrevi.
Verifiquei
Almeida Ribeiro.
SELLOS USADOS
Compra-se qualquer porção por bom
preço.
Dirigir-se a
LUIZ DINIZ
Certã
João Marques dos Santos
FLORES DE MAIO
(Versos)
Um vol. Preço 400 réis,
Vende-se nas livrarias.
D. JOÃO DA CAMARA
O BEIJO DO INFANTE
Vende-se nas livrarias.
Historia dos Juizes ordinarios e de paz
POR
Antonio Lino Netto
Alumno da Faculdade de Direito e socio offectivo
do Instituto de Coimbra
Preço 400 réis
Vende-se na livraria França Amado —
Coimbra,
PROCESSO DREYFUS
CARTA Á MOCIDADE BOA VIAGEM
POR POESIA
EMILIO ZOLA dita pelo auctor na recita de despedida
do quinto anno juridico de 97-98
GUEDES TEIXEIRA.
Preço 50 réis Preço 200 réis
Acaba de sahir do prélo este vibrante
opusculo dirigido à mocidade academica. Vende-se no Porto, Empreza da ARTE
PYROTHECHNICO
CERTÃ
David Nunes e Silva, com officina de pyrothechnia, encar-
rega-se de fornecer para qualquer ponto do paiz fogo d’artifício,
com promptidão e garantido acabamento.
Na sua officina encontra-se sempre um grande e variado
| sortimento de fogo de estoiros, e foi della que sahiu o fogo
queimado nos centenarios: — Antonino — de Gualdim Paes —
e da India, — (neste sómente o de estoiros e balõas), cujo
eifeito tem sido applaudido pelo publico e imprensa.
Preços sem competencia
CENTRO COMMERCIAL
Tr OEA
Completo sortimento de fazendas de algodão,
lã, linho e seda, mercearia, ferragens e quinqui-
lherias, chapeus, guarda-chuvas e sombrinhas,
lenços, papel, garrafões, relogios de sala, camas
de ferro e lavatorios, folha de Flandres, estanho,
chumbo, drogas, vidro em chapa e objectos do
mesmo, vinho do Porto, licores e cognae; livros
de estudo e litterarios, tabacos, etc,
Preços extraordinariamente baratos e sem
competencia,
Agencia da Companhia de Seguros Portu-
gal.
| a 7, Praça do Commercio, | a 7
CERTA
Retratos
Tiram-se em differentes tamanhos desde 800 réis a duzia,
garantindo-se a sua perfeição e nitidez.
Encarrega-se de ir tirar photographias a qualquer ponto
d’este concelho, mediante ajuste especial.
Quem pretender dirija-se a LUIZ DIAS, Praça do Com-
| merci. —OBRTÃ.Ã.