A Nympha do Zêzere nº1 12-03-1897

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Certã— Sexta-feira, 12 de março de 1897
1.º anno
NYMPHA DO ZEZERE
setrmanario noticioso e litterario
ASSIGNATURA
Certã e Coimbra…..
Fóra da Certã
80 reis mensaes
350 por 4 mezes
Brazil, anno, 46500 réis. Africa, anno, 18800 réis.
Numero avulso. 25 réis
REDACÇÃO
Toda a correspondencia deve ser dirigida à redacção
VA NYMPHA DO ZEZERE, Certã.
Os originaes recebidos, não se restituem, quer sejam
ou não publica dos. É
A QUE VIMOS?
Seguindo os velhos e tradi-
cionaes costumes de todas as pu-
blicações periodicas, tambem nós,
humildes operarios da áotividade
litteraria. queremos dizer aos lei-
tores da Nympha do Zezere o papel
que nos propomos desempenhar
no theatro da imprensa portugue-
Za.
A que vimos?
Eis uma interrogação que tem
preoceupado o espirito de todos
os philosophos desde a mais re-
mota antiguidade, e que não en-
controu ainda uma resposta satis-
factoria e decisiva para as exi-
gencias da philosophia, quando
se pretende descobrir o fim da
vida humana.
Para nós é bem mais simples
a resposta, pois não se trata de
resolver um problema de philoso-
phia humana, mas apenas fixar
o objecto e o fim d’um modesto
jornal, deônir a sua attitude na
vida da imprensa.
Não pretender nos mesmo ela-
borar um programmaapresentan-
do a ordem dos trabalhos que suc-
cessivamente serão submettidos
á apreciação dos nossos leitores,
pois taes expedientes, á força de
serem trahidos, desmereceram ha
muito as honras da confiança pu-
blica.
Mas visto que tentamos a vida
impõe-se-nos indeelinavel a obri-
gação moral de explicar a nossa
existencia, E
Porque apparecemos? O que
somos? O que queremos? E o que
poderemos vir a ser?
O progresso material e intel-
lectual da actividade humana,
marchando vagorosa e lentamen-
te no caminho da civilisação, vae
estendendo as suas azas protecto-
ras sobre todos os centros de po-
pulação, dos mais ricos aos mais
pobres, dos maiores aos menores,
procurando sempre o melhora-
mento do bem estar dos povos e
a elevação do nivel moral e intel-
lectual das sociedades humanas.
Mas infelizmente, e bem nos
custa confesssal-o!, parece que a
Certã, a nossa querida Certã, se
vae deixando atrazar n’essa mar-
cha ascensional do progresso, es-
condida e esquecida neste canto
da Beira Baixa.
E hoje mais do que nunca
torna-se indispensavel o concurso
de todos os seus filhos para a fazer
despertar do somno em que ella
parece dormir eternamente, para
dar um impulso ás actividades
que encerra e pôr em movimento
as preciosas forças de que dispõe,
a fim de a levantar tanto quanto
possivel na escala da civilisação.
Pela nossa parte, não podendo
proporcionar-lhe meios de vida
material, condições de desenvol-
vimento economico, vamos con-
sagrar-lhe o auxilio de todas as
nossas forças intellectuaes, offe-
recendo aos nossos conterraneos
alguns elementos de instrucção
litteraria para distracção do espi-
rito e cultura esthetica.
Pelo menos por emquanto, o
nosso jornal será meramente lit-
terario, mas acompanhando sem-
pre o movimento noticioso dos
acontecimentos mais notaveis, e
de todos os que se passarem mais
perto de nós, para despertar a
curiosidade e o interesse de cara-
cter local.
Iniciados agora na vida da
imprensa, são bem modestos e
nem poderiam ser mais arrojados
os nossos intuitos. Mas se a lucta
pelo trabalho nos abrir mais lar-
gos os horizontes do espirito e
nos elevar mais alto o alcance da
intelligencia, quando a confiança
publica estiver do nosso lado, po-
deremos então estender mais lon-
ge e mais alto o empenho da nossa
iniciativa até ao exame dos pro-.
blemas scientificos, politicos e ad-
mnistrativos.
Oxalá que a nossa tentativa
seja coroada do melhor exito a
bem da terra que nos deu o ser.
A Redacção.
PELO ESTRANGEIRO
GREGOS E TURÕOS
Só quem fôr d’um optimismo sys-
tematico, vacillará em afirmar que os
recentes acontecimentos de Creta, tão
ferteis em consequencias funestas, vie-
ram, mais uma vez, pôr a descoberto
a decadencia moral que d’um modo
assustador, vae gangrenando uma a
uma, as fibras dos organismos das
nacionalidades do velho continente eu-
ropeu. De dia para dia, o egoismo ex-
tremo que hoje caracterisa profunda-
mente os vultos presidentes aos desti-
nos dos povos, determina o appareci-
mento constante de novas complicações
diplomaticas, manifestações d’um fim
que se approxima a passos gigantes-
cos,—a conflagração geral.
*
Envolvidos n’uma lucta feroz, de-
sapiedada, originada pelo intenso odio .
de raças e de principios religiosos dif-
ferentes, Gregos e Turcos bateram-se
por muito tempo, desordenadamente,
sem que a Europa, outrora tão cava-
lheiresca, ousasse agora, n’um impulso
de humanidade, desinteressadamente,
pôr termo ao hediondo drama san-
grento que se desenrolou em Creta,
exterminando de vez o barbaro impe-
rio dos Osmanlís, que, á beira do
abysmo, n’uma contorsão de agoni-
sante, ainda levou a desolação e o luto
a milhares de familias gregas christãs,@@@ 1 @@@
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A Nympha do Zezere
empunhando o alfange no estontea-
mento feroz do seu fanatismo.
Não! As chancellarias, mascaran-
do com uma hypocrisia revoltante as
ambições desmedidas que as corroem,
procuraram, por meio de palhaçadas
diplomaticas, temporisar aquella san-
guinolenta carnificina, expondo assim
ao furor selvagem das cohortes mus-
sulmanas, uma população inteira!
Não! As chancellarias, suffocando
a voz de milhares d’infelizes que, de-
balde clamavam justiça, no meio dos
reverberos crepitantes dos incendios,
commetteram a mais repellente das
infamias, calcando aos pés com um
cynismo atroz, os ultimos vislumbres
de humanidade, honra e brio que
ainda possuiam!
Não! Consinta-se que uma horda
de turcos incivilisados, sedentos de
sangue, exerçam toda a especie do
mais requintado canibalismo sobre um
povo, mas realisem-se os interesses
vilmente egoistas das Grandes Poten-
cias!
Se Creta não fôsse uma ilha grande
e rica, se a sua posição geographica
altamente estrategica não fôsse a
guarda avançada do Mediterraneo
Oriental, toda a Europa consentiria
sem protestar nas reivindicações dos
seus habitantes, isto é, da união da
ilha á Grecia.
Mas Creta é a perola do mediter-
raneo, exerce uma preponderancia ca-
pital nas velhas questões do Oriente
e do Egypto,—eis tudo!
*
No meio das desgraças de tantas
victimas, e do baquear das esperan-
ças d’uma solução condigna por parte
das Potencias, a Grecia, esse nobre
povo que tem uma historia brilhante
entre as mais brilhantes, deu um bello
exemplo, acolhendo sob a protecção
da sua bandeira, os cretenses seus
irmãos.
Esta attitude heroica e sympathica
do povo hellenico, despertou os ins-
tinctos interesseiros das Grandes Po-
tencias; todas, a um tempo, se preci-
pitaram sobre a formosa ilha, como
que temendo que alguma chegasse
primeiro, e, de commum accordo bom-
bardeiariam o acampamento dos cre-
tenses, d’aquelles martyres e heroes
insurreccionados contra a tyrannia do
turco!
Mas qual/dos abutres lograria
agarrar a tão cubiçada presa? Olha-
ram-se. Um terror involuntario se
apoderara de todos. Evidentemente,
temeram-se.
E entretanto, a nobre Grecia ia
estendendo a bandeira da paz sobre
as victimas, levando a concordia áquel-
le cahos. a
Mas isso era contrario aos ignobeis
interesses das Potencias, e então, evo-
cando a manutenção da paz europea,
ellas, com a costumada hypocresia,
pretendem esmagar o Direito pela for-
ça bruta dos seus canhões, impondo
aos gregos um ultrajante ultimatwm!
Farçantes sem caracter! Na ceguei-
ra do seu egoismo, não reparam que
ultrajam a Humanidade!…
x
Os telegrammas que a Havas nos
tem enviado até hoje, não deixam pre-
ver ao certo quaes as consequencias
desta complicadissima questão. Se
Grecia obedecer ao brutal ultimatum
que declara a autonomia da ilha, não
tardarão muitos dias que a ordem se
convertam n’outro cahos medonho.
A autonomia de Creta será apenas
um armisteiio datre mendissima lucta
que se prepara. O horisonte da Eu-
ropa é assombrado pelo surgir pavo-
roso da tempestade que se aproxima;
amanhã, confiando mais em si, a ella
pagará acerbamente as torpezas com-
mettidas. Impellida pelo egoismo mal-
dicto, lançar-se-ha fatalmente n’uma
guerra terrivel, que será o sinistro fim
do seculo XIX, d’este periodo de tran-
sição entre um passado insuficidnte e
um futuro de grandes acontecimentos
que os espiritos circumspectos não
ousam encarar sem um justificado re-
ceio.
Enganar-nos-hemos ?
Oxalá…
CARNET LOCAL
Passou o Carnaval, que, diga-se a
verdade, esteve pouco animado. Às
soirées, tambem pouco animadas, fal-
tando-lhes o enthusiasmo d’outros tem-
pos.
De resto, uma ou outra mascarada.
O tempo chuvoso.
Pobre Entrudo…
X
Sahiram para Coimbra, os nossos
sympathicos amigos dr. José Tavares,
Antonio Ildefonso Victorino e José Mi-
guel. +
X
Tambem sahiu para Figueiró dos
Vinhos o nosso amigo dr. Accacio de
a . e
Sande Marinha,
x
Já regressou a esta villa o sr. Tor-
res Carneiro, dig.”º recebedor d’esta
comarca.
XxX
Tem experimentado sensiveis me-
lhoras o sr. dr. João Ribeiro d’Andra-
de, distincto advogado.
S€
Passaram no dia 3 do corrente, os
anniversarios natalicios dos nossos pre-
zados amigos Annibal Augusto d’Abreu
Campos e Luiz da Silva Dias, concei-
tuado commerciante n’esta praça.
: FOLHETIM
K PBINCBZA ANNA
Todo o paiz estava aterrado com
a noticia que se espalhára. Ghirai Miz-
za, O tartaro, tinha roubado a princeza
e desapparecido com ella no seu Zmén
voador. À formosa entre as formosas,
a gentil princeza Anna estava sósinha
no palacio. O seu espirito extasiava-se
com a proxima chegada da suave e
agradavel primavera, e via já voltarem
os passaros de arribação, soltando ao
vento os seus trillos divinos; via a
relva que cobria os extensos prados,
como alfombra tecida com fios de es-
meraldas, e as flôres, que, agitadas
pela viração, sacudiam de si indolen-
temente o fresco orvalho da noite. A
bella princeza tinha nos braços e es-
treitava contra o seio uma creancinha
de poucos mezes; ao mesmo tempo,
uma borboleta branca de neve espa-
nejava as azas impalpaveis, pousada
no calix de uma flôr de liz…
De repente chega o tartaro e arre-
bata a princeza e o filho, e esmaga a
borboleta e a flôr.
*
No bosque salpicado de argentea
neve, reina a silenciosa meia noite,
envolta no manto ceruleo de fulgidas
estrellas. O disco da lua está suspenso
nos ceus. Parece uma virgem, que,
entreabrindo o véu azul que a cobre,
assoma a contemplar a tranquilidade
profunda em que a terra está immersa.
As arvores estendem os braços descar-
nados e elevam no espaço as altas co-
mas, que o inverno corôa de perolas.
Por deante da nitida claridade das es-
trellas passam mysteriosamente nuvens
ligeiras, como sombras luminosas de
palidas virgens.
Tudo é branco: tudo é phantastico
áquella hora da noite. O bosque parece
um templo silencioso, em cujo seio as
arvores, as estrellas, as sombras e a
lua do alto céu assistem aos exponsaes
da morte e do gêlo.
*
O bosque desperta d’aquelle sonho
melancholico e suave. Ouve-se ao longe
o ruido produzido pelo galopar de brio-
so corcel, que bate com os cascos fer-
rados nas pedras do caminho. Offe-
gante e escorrendo suor, apparece um
cavallo. Salta e foge seguido na sua
carreira vertiginosa pelos lobos famiú-
tos, a uivarem atraz da presa que lhes
escapa. O cavallo conduz Mizza, o tar-
taro, com a princeza Anna, em cujos@@@ 1 @@@
A Nyimpha do Zezere
3
Tambem passa no dia 14, o anni-
versario do ex.Ӽ sr. Joaquim Pedroso
Barata dos Reis.
As nossas felicitações.
Sahiram para Lisboa as ex.” gr?
Tasso de Figueiredo.
Continua incommodado de saude,
o nosso presado amigo, Antonio Mar-
tins dos Santos.
Desejamos-lhe promptas melhoras.
Está a concurso o logar de faculta-
tivo de Villa de Rei e Fundada, d’este
concelho, com o ordenade de 400:000
réis.
x
Fez hontem annos o nosso amigo sr.
Guilhermino Casimiro Nogueira.
Parabens.
XxX
Theatro Avenida
Na segunda feira do Carnaval, es-
pectaculo pelo Grupo Dramatico Cer-
taginense, levando à scena, entre ou-
tras, a comedia Uma lição para noivos.
Todos muito bem; e com especialidade
o nosse Francisco Moura, que mais
uma vez firmou a sua reputação como
um dos nossos melhores amadores da
arte theatral.
LITIBBATUBA
“The last rose ..
Deserto a perder de vista: solidão
em que o silencio ouve-se. Despeja
frechas o sol: à aveia vomita chammas.
Nem o perfume d’uma flôr; nem o ma- |
rulho d’uma fonte; nem o bafejo duma
aragem; nem o trilo d’uma ave; nem
a sombra d’um oasis: — nada.
O silencio d’um cemiterio que lagri-
mas de vivos não fossem orvalhar uma
vez sequer… A aridez d’um ermo
onde com o fogo do ceo tivesse cahi-
do um tremendissimo anathema. ..
=.
Estendido no areal, arqueja no es-
tertor da agonia o paladino vencido… .
Fôra nm cavaleiro enthusiasta e
vigoroso: vestira-o a Crença de armas
rutilantes; dera-lhe a Mocidade os ar-
rancos de heroismo; embalara-lhe a
Poesia os sonhos de gloria adolescen-
tes. E combatera…
Agora para ali estava, exanime;
por lençol o ceo de fogo, o areal de |.
fogo por leito…
E em cima os corvos famelicos a
crocitarem-lhe os responsos da agonia
nos evohés da bachanal antecipados.
ao
o
Ao longe, muito ao longe…
são? realidade?…
Fita os olhos o paladino exangue.
Passa-lhe um fremito de vida pe-
las fibra despedaçadas; galvanisa-o o
reverbero… do ceo talvez!
Bem hajas! soluça-lhe a voz mori-
bunda.
E lá se ergue: e lá vae.
O sol abraza-o? deixal-o. O saibro
queima-o? que importa? À sêde devo-
ra-o? isso que monta? Segue-o a mor-
te? — Debalde.
O visionario não se cansa… Dei-
xal-o ir! deixal-o!
lu-
*
* *
E surge a Mocidade e diz-lhe: —
Adeus! para ahi te deixo, desgraçado!
E o triste, de absorvido não a ouve.
E surge o Sonho e declara-lhe: —
Enganei-te: eu era fumo: adeus!
E o pobre, de alucinado, não o at-
tende.
E surgo o Amor e casquina-lhe:—
Fui eu que te feri: não luctes: morre!
E o lonco, de tão perdido, segue
sempre…
E o Desengano e a Dôr e o De-
sespero surgem, todos á uma, e gri:
tam-lhe: — somos teus companheiros
na ultima jornada: vae mais devagar!
E o visionario não afrouxa o pas-
so. Lá vao…
Deixal-o ir; deixal-o !
*
* *
Pelo deserto fóra a sua sombra de-
senha um esqueleto. . . De braços aber-
tos para a miragem distante, aquelle
esqueleto parece a sombra d’uma cruz…
Mas elle não repara, o precito !
Se elle tem os olhos presos d’a-
quella rosa, alem, não a vêem? toda
de purpura sob o sol que escalda ! —
e 0 aroma que ella deita, não o sen-
tem? suavee penetrante a umtempo…
Aquella rosa…
Mas é d’uma caveira que ella bro-
ta, aquolla rosa, a ultima! |
o
E será esse ultimo sonho uma men-
tira ainda ?…
CARLOS DE LEMOS.
ASJODIA
Declina o sol; no tepido rosal
Nem o mais leve anceio ora estremece
A suavissima hebréa, que adormece
Ao balanço da rede oriental.
A distancia, no verde laranjal
Resoa à voz angelica da prece
Do christão namorado, que enlouquece
Suspenso o olhar na rede virginal.
No entanto a doce aragem que perpassa
Accorda um ecco brando perfumado
Do nome de Jesus, o Deus da—Graça.
— Jesus é o Deus do ceu do meu amado!
Soluga a filha da maldita raça;
E a fé ungiu-lhe o seio immaculado.
“ NuNEs DA PONTE.
braços se vê uma creancinha a sorrir
docemente para sua mãe. Coberto de
espuma e louco de terror, o cavallo
corre com as ventas dilatadas, seguido
pelos lobos que uivam atraz delle e
que estão já prestes a alcançal-o, e a
converter a carne inestimavel em san-
grentos despojos. Porém Mizza, o han
tartaro, o homem de alma insensivel,
vê o perigo imminente, arranca o filho
do regaço maternale atira-o para longe,
para o meio do caminho… Resoou
pelo bosque um grito dilacerante. A
lua pareceu despedir maior claridade,
as estrellas scintillaram no espaço dila-
tado, os lobos pararam de repente, e
o cavallo desappareceu por entre o
arvoredo.
%*
A creancinha cahiu sobre a neve.
Após ella desceram as nuvens ligeiras,
semelhantes a anjos brancos, cobertos
com tunicas de pregas largas e fluctuan-
tes. Sombras mysteriosas, anjos sacro-
santos, virgens mandadas do céu col-
locaram-se em redor da creança, illu-
minados por um raio de luz e prostra-
ram-se de joelhos em attitude de diri-
girem uma oração a Deus. Perto do
grupo estavam as feras immoveis e
com os olhos fixos na creança, mas
sem ousarem approximar-se do sagrado
recinto formado pelas nuvens nacara-
das. Oh! Prodigio! À princeza apparece
com os olhos vermelhos e o braço di-
reito manchado de sangue!…
Chega, atravessa sem temor por
entre os lobos, toma o seu filho nos
braços, aperta-o delirante contra o co-
ração e afasta-se acompanhada pelos
anjos invisiveis.
*
Ghirai Mizza foi encontrado no
bosque, com um punhal cravado no
coração. A formosa entre as formosas,
a gentil princeza Anna passeia radiante
de felicidade, por sobre a areia das
alamedas do seu jardim. Só lhe per-
turbam levemente a alegria algumas
recordações tristes que lhe acodem á
mente como sombras do passado. Pen-
sa no seu filho abandonado, para servir
de pasto aos lobos famintos; pensa na
lucta que teve com o tartaro no ins-
tante em que lhe cravou o punhal no
duro coração. Porém, tudo já passou.
Agora, estreita o filho nos braços, e duas
borboletas dormem pousadas numa flôr
de liz. E os anjos do céu bemdizem
a mãe venturosa.
Jayme Cirne.@@@ 1 @@@
A Nympha do Zezere
A Fausto GueDes TeIXEIRA.
À quem tenho eu amor, se é que ainda sei amar!
Amarei eu a Vida, a Luz do Sol dourado?
Amarei as Florestas, as Ondas do Mar,
Um rio caudaloso ou um lago prateado?
Talvez uma mulher, formosura sem par,
Como Essa que eu amei, quando me cria amado!
Talvez, —eu sei! —talvez Deus, o Mundo, o Luar!
Talvez um Ceu azul de estrellas matisado!
Não. Eu odeio a Vida como odeio o Mundo
E a esse Deus que o tempo em goso eterno passa,
—À tudo que é feliz tenho eu odio profundo!
E amo-Vos, Satanaz, Lucifer, Artitheos…
Eu amo-Vos porque sois filhos da Desgraça;
E, oh! Filhos da Desgraça, Vós sois irmãos mens!…
A. ANTUNES BELLO.
———————— mae
CORRESPONDENCIAS
Coimbra, 10.—Mais semsaborão é
estupido do que nos anteriores, apre-
sentou-se-nos este anno o tradicional
Entrudo, e, francamente, as impres-
sões que elle nos deixou foram des-
agradabilissimas, nem: mesmo podia
deixar de sel-o.
O tempo, apparentando seguir as
ideias dos individuos sensatos, mos-
trou-se carrancudo e ventoso, orva
lhando por vezes, principalmente na
tarde de terça feira, em que o orvalho
se transformou n’uma verdadeira chu-
va, OS parvos que ostentando a mas-
cara de vacções, acompanhados pelas
gandarezas, pareciam querer assim
mostrar e provar a existencia real de
patetas por esse mundo de Christo,
como se infelizmente não estivessemos
já fartos de a conhecer.
E pondo de parte as Marias e os
Maneis, que derivavam tolamente pelas
ruas da cidade, embriagados, conten-
dendo com os transeuntes, repetindo
constantemente o seu enfadonho reper-
torio de pilheria, nada se viu com
graça, nada que nos alliviasse sequer
por momentos da pesada atmosphera
de aborrecimento que respiravamos;
apenas lá de hora a hora a nossa atten-
ção era despertada do somno lethar-
gico em que permanecia abysmada,
pelo estrondo dos vidros que, rachados
pelos cocottes, se vinham estilhaçar no
chão.
Em resumo: uma medonha pepi-
neira que viria confirmar as nossas
opiniões sobre este grotesco diverti-
mento, se por acaso ainda vacillasse-
mos n’ella.
Appareceu o primeiro numero
da Voz do Porvir, hebdomadario repu-
blicano, redigido por academicos do
2.º anno juridico.
Longa vida e prosperidades é o
que lhe desejamos.
—A companhia Lucinda Simões,
deu-nos ultimamente tres espectaculos
no Theatro-Circo que para esse fim
se achava illuminado a bico Auer, le-
vando à scena Francillon, comedia-
drama em tres actos, Mancha que
limpa, drama em quatro actos, -e o
Sr. Director. ;
* O desempenho foi em todas as re-
citas magnifico, e a concorrencia nu-
merosa.
Receberam muitos applausos, o que
na verdade bem mereciam.
—Consta-nos por pessoa fidedigna
que está para muito breve a appari-
ção do drama, Amores d’um velho, es-
cripto pelos nossos amigos Barreto
Sachetti e E. Gomes Netto.
B. 4.
Defezo da caça
Começou no dia 1 do corrente mez
o defezo da caça. Até ao dia 15 de
agosto todo o individuo que seja en-
contrado a caçar em qualquer parte
do paiz, ser-lhe-ha apprehendida a
caçadeira e remettido ao poder judicial,
embora tenha licença de porte d’armas.
“Os Carlistas em Hespanha
Ha poucos dias appareceu em 8.
Miguel (Hespanha), um bando de car-
listas armados. Reuniram-se algumas
forças a toda a pressa que foram em
perseguição dos revoltosos, conseguin-
do prender trinta e oito. Escaparam
muitos. Todos usavam boinas, e foram-
lhes encontrados alguns papeis que
demonstravam a sua filiação no parti-
do carlista, que se prepara para um
movimento revolucionario.
—No dia 7 appareceu em Castelon,
uma outra guerrilha commandada por
um certo Armengol.
—Os influentes carlistas dizem,
que de Veneza, se receberam instru-
cções de D. Carlos, ordenando-lhes
que permaneçam inactivos.
e
Estiveram entre nós, na semana
passada, os nossos amigos srs. Fran-
cisco Henriques David e Julio Farinha
Conceição, de Pedrogam.
Guerra de Cuba
As despezas mensaes feitas com a
guerra de Cuba, ascendem a sete mi-
lhões e quinhentas mil pesetas!
SECÇÃO ALNGRE
Achavam-se n’um café dois estu-
dantes questionando sobre mil coisas,
e por ultimo vieram a fallar na inven-
ção das armas.
Dizia um que se tinham inventado
no anno de 1382, e o outro que a sua
origem era mais remota.
—Mas essas não eram de fogo,
observou 0 primeiro.
— Quem te diz que não eram de
fogo? Não te lembras como Virgilio
começa a sua immortal Eneida? Arma,
virum que cono—armas de vareta é
cano.
X
Na rua do Ouro:
Um sargento aspirante entrega uma
carta a um moço d’esquina. No so-
brescripto lê-se o nome d’elta.
O moço:
— Não vou!
— Porque? .
O desgraçado, limpando uma lagri-
ma à manga da camisa:
—Jurei nunca mais tornar a vêl-a.
e
Dizia um janota a uma jovem:
—Dê-me esse annel em prova de
que o nosso amor não ha de ter fim.
—Não !h’o dou em prova de que
não hade ter principio.
EX PEDIENTE
Para regularisar a nossa ad-
ministração, pedimos ás pes-
Ssoas a quem enviamos o nosso
jornal, a fineza de nol-o devol-
verem, o mais depressa possi-
vel, caso não queiram honrar-
nos com as suas assignaturas.
Typ. e Lit. Minerva Central-—Coimbrabra