A Nympha do Zêzere nº4 03-04-1897

@@@ 1 @@@
Nº 4
“NYMPHA
Hebcomadario noticioso e litterario
Certã— Sabbado, 3 de abril de 1897 a ,
DO ZEZEI
Direcror—E. DE SANDE MARINHA
ASSIGNATURA
Certã e Coimbra ….. SO reis mensaes
Fóra da Certã…… – 350 por 4 mezes
Brazil, anno, 44500 réis. Africa, anno, 18800 réis.
Numero avulso. 25 réis
REDACÇÃO
Toda a correspondencia deve ser dirigida à redacção
PA NYMPHA DO ZEZERE, Certa.
Os originaes recebidos, não se restituem, quer sejam
ou não publicados.
Camillo Castello Branco
Ha oito annos, uma morte tragica levou-nos esse
homem, cuja estatura moral era tão enorme que, ao
ruido da sua queda, os echos responderam larga-
mente. Era um gigante! Mas, assim como acontece
a um grande navio a arder no alto mar, assim a sa
alma, vibrante de luz e de chammas, teve em volta
de si o silencio e apenas, murmurando, alguma voz
amiga. E nada mais! O estudo d’essa obra ahi está
por fazer. Dormem sobre ella as academias e os sa-
bios fallam como se a não conhecessem. E, no entan-
to, o homem que a escreveu revolucionou uma socie-
dade, levantou uma litteratura, e amou a sua patria!
Cerebro valente e compleição vibratil, traduziu, em
côres flagrantissimas, desde os sentimentos mais
puros até aos mais horriveis da alma humana.
Que de coisas elle abordou e que de coisas elle
disse!
“À sua prosa tem fulgores. E’ retumbante e so-
nora como a d’Herculano, viva e harmonica como a
de Garrett, abundante e florida como a de Castilho.
Feriu lume, alargando horisontes. Deu-nos da
sociedade portugueza a sua verdadeira psychologia
e revelou-nos todos os seus typos, n’uma encarnação
genial,
* Cultivou generos variadissimos, tractando-os com
extraordinario successo; a tudo se accommodou e a
tudo se adaptou: chora, romantico e triste no Amor
de Perdição; chalaceia como Zola no Eusebio Macario;
adora como Chateanbriand na Divindade de Jesus;
enreda a maneira de Richebourg nos Mysterios de
Lisboa; escreve com propriedade surprehendente no
Regicida; vibra o látego da polemica na Questão da
Sebenta; brinca com a, ironia de Vcltaire na, Queda
um Anjo, e arranca á sua epócha, na fecundidade
prodigiosa do seu espirito luminoso, um grito de
admiração! E
À alma humana é elle. Chafurdeia no vicio com
a mesma facilidade com que adora a virtude; tem
-odios e rancores como um homem mau, e tem cari-
nhos e sorrisos como uma creança ingenua. Como a
corrente que passa mansa, como ella tambem se
avoluma, com estrepito e ruido. Attrahe como um
abysmo e repelle como um monstro. Mas, por sobre
tudo e acima de tudo, reune, em vivas constellações,
a grandeza do seu genio !
A sua obra é o retrato da sua patria. Imprimiu
n’ella o cunho portuguez, — já no termo castiço, já
na paixão violenta. Colheu pelas provincias, o ouro
mais puro da sua lingua; ouviu fallar e ralhar o povo;
notou pruridos de fidalguia azul; viu muita lama, e,
n’um esforço indomito de leão, fez d’isso tudo a sua
alma. e, como Deus, obrou o novo prodígio uma
creação!….-
Eis porque a sua alma merece do seu paiz uma
attenção especial.
Esse homem que trabalhou e soube trabalhar, e
esse homem que nos deu a photographia da nossa
terra, com todos os seus defeitos e com todos os
seus encantos, e esse homem que foi o mais forte
da geração brilhante que o viu, descança agora no
tumulo, deixando velal-o um silencio profundo…
Esqueceram-no, a elle que fez lembrar tanta
gente! E
Está assim em aberto uma divida sagrada, e
parece ainda longe o seu resgate.
Dando n’este jornal o retrato do grande escri-
ptor, pretendemos apenas registar um preito humilde,
mas sincero, a esse formoso espirito, que é uma
gloria immortal, e chamar a attenção de quem, mais
competente do que nós, tome a iniciativa d’uma
consagração solemne, que parta de todo o paiz, en-
thusiasticamente!…
Hoje que urge preparar os elementos da nossa .
restauração nacional; hoje que é preciso erguermos-
nos e levantarmos-nos com decidida energia; hoje
que os desenvolvimentos materiaes convem ajudar
os: desenvolvimentos intellectuaes, — impõe-se-nos,
como um supremo e magestoso dever, a apotheose
condigna d’um dos filhos mais illustres da nossa
terra! À memoria de Camillo merece uma consagra-
ção excepcional, porque elle proprio foi excepcional.
No Pantheon da patria, cabe-lhe um logar. A mus-
culatura d’elle chega bem para egualar as dos gran-
des homens que lá descançam. E’ nos Jeronymos
que elle deve estar, é ahi que elle estará bem, aga-
salhado pela alma nacional, dentro d’esse navio
lendario e maravilhoso, que n’uma febre heroica
ficou estacado á borda do mar, a olhar para as ban-
das d’alem, n’um sonho docemente eterno!…@@@ 1 @@@
2
A Nympha do Zezere
Q beijo sangrenio
dE
Quatro ethiopes, de mantos de seda
finissima guarnecides a ouro, pés des-
calços, conduziam o palanquim onde se
destacava o vulto do sultão.
Em volta, os nobres da comitiva
caminhavam a pé, compassando o an-
dar ao som dos anafis, e no meio de
duas filas de nomadas armados de com-
pridas lanças reluzentes, sobresahiam
Selih, filho do sultão, altivo mas triste,
e Alamina, a favorita criminosa.
Chegados a uma clareira de areia
branca, á luz da lua que descia melan-
cholicamente sobre a vasta campina
dando-lhe uns tons suavissimos, para-
ram. Ê
Os quatro ethiopes descançaram
vagarosamente o palanquim e toda a
comitiva afastou-se um pouco formando
um semi-circulo e fincando as lanças
na planicie.
O sultão fumava, emquanto na sua
frente, de mantos atirados sobre os
hombros, braços nús, morenos, ador-
nados com voltas de metal reluzente,
balançava-se n’uma cadencia amaca-
brada um bando de captivas, que o
sultão fizera sahir do seu harem para
assistirem ao fim que elle lhes desti-
nava, se seguissem o exemplo de Ala-
mina.
A um signal do sultão ficou tudo
silencioso!
“No ceu, muito.azul;-o-luar-resplan-
decia, uma aragem mandragora, e do
lado do nascente viam-se atravessando
o horisonte os cimos das pyramides.
«Ouvi» — disse o sultão com voz
tremente de desespero — «aproximae
os deliquentes.»
A guarda fez approximar Selih, e
Alamina que tremia.
«As testemunhas» bradon o sultão.
Quato homens sahiram das filas,
de braços estendidos juntos à cabeça,
curvos, de olhar em terra e ajoelharam.
«Fallae!»
— À” meia noite, vigiavamos em
torno do harem, quando ouvimos um
ruido extranho.
Encaminhando-nos para o lugar
d’onde partia o ruido, um vulto branco
de mulher saltava uma janella, apro-
veitando-se talvez d’um descuido do
enucho pouco vigilante e lançara-se
nos braços de um homem que reconhe-
cemos ser Selih!… a mulher era Ala-
mina,
«Basta», gritou o sultão, rouco de
colera. «Basta!»
«Ides ver a minha vingança! Selih
—calcaste as leis e faltaste-me ao res-
peito, atrevendo-te a beijar a mulher
que me pertence. Perdôo te porque és
meu filho, porque és sangue de meu
sangue, mas nunca imais os teus labios
poisarão n’uns labios de mulher.»
Selih, estremeceu, ergueu a fronte
e o seu olhar cravou-se no do sultão.
Este continuou: «Alamina, porem,
morrerá para que outra de minhas es-
colhidas não ouse ultrajar-me!…» e
apontando à guarda: «Cumpri o vosso
dever.»
À guarda desembainhou os alfanges
e approximou-se de Alamina, tremula
e impassivel… Selb ergue o olhar
porejando sangue, e louco de raiva e
desespero, bradou: «Não quero o vosso
perdão! Eu e Alamina juramos no altar
de Allah amar-nos eternamente, 0 seu
coração e o meu são um só coração,
vivemos da mesma vida, morraremos
da mesma morte.» E ligeiro, emquanto
o sultão o olhava espantado, arrancou
do cinto de ouro o yatagan e algando
o braço forte, enterrou-o no peito ao
tempo que outro se enterrava no de
Alamina!
Offegante, jorrando sangue a larga
ferida, Selih cominhou para a amante
e ambos cahiram mortos collando os
labios n’um ultimo beijo!
(Do Impressionistas)
J. Augusto de Castro.
CARNET LOCAL
Está entre nós, o nosso presado
amigo sr. Carlos Pinto de Figueiredo.
XxX
Não é exacta a noticia que no nu-
ex.Pº sr,* D. Henriqueta Ribeiro, pois
sua ex.? encontra-se ainda na capital.
Da
Já regressou a Sernache do Bom
Jardim, o sr. Abilio Correia Marçal.
=
Na folha official de 30 de março
ultimo, vem a nomeação d’administra-
dor deste concelho do sr. dr. Albano
Frazão.
XxX
Realisou-se hoje a conhecida feira
dos Passos, havendo bastantes trans-
acções.
x
Já regressou a esta villa o sr. Fran-
cisco Cezar Gonçalves, dig.”º escrivão
de direito n’esta comarca.
Ze
Esteve entre nós, o rev.”º sr. Ma-
nuel Antonio Correia da Silva, parocho
collado em Proença a Nova.
x
Passa no dia 9 o anniversário na-
talicio do nosso amigo Francisco Mar-
tins Grillo.
Parabens.
XxX
Acha-se. n’esta villa o distincto
mero antérior démos, sobre a vinda da |.
actor imitidor Vargas, que já fez a
sua estreia no Club Certaginense, agra-
dando bastante. Hoje, sabbado, de novo –
apresenta os seus trabalhos, esperando
agradar como da primeira vez.
x
Sabiu para o Porto o nosso prezado
amigo Adelino Marinha.
2
Procissão dos Passos
Teve hoje-logar, como noticiamos
no numero anterior, a procissão dos
Passos, n’esta villa.
O sermão d’ençontro, foi confiado
ao distineto orador sagrado padre Ben-
jamim, que soube impressionar o audi-
etorio.
Novas matrizes
Foram postas em reclamação no
dia 1.º do corrente mez, as novas ma-
trizes das freguezias de Sant’Anna da –
Cumenda, Ermida e Figueiredo, d’este
concelho.
Os contribuintes durante todo o
mez poderão examinar na Repartição.
de Fazenda, os respectivos cadastros
e fazerem as alterações que se tornem
necessarias.
Rebellião em Gaza
Hontem. recebeu-se em Lisboa o
seguinte telegramma: ejuieçaaa >
“Lourenço Marques, 2, ás 7 t.—
Logo constou aqui revolta de Gaza,
pedi informação governador, que ainda
não recebi. Sei cinco regulos revolta-
dos por causa imposto palhota. Go- .
vernador Gaza está séde governo, d’on-
de hontem recebi pedido enviar muni-
ções guerra, posto não pedisse reforços
tropa, nem me tenha informado. Man-
dei ha dois dias força local mais pro-
ximo Gaza à disposição governador.
Ignoro effectivo policia Gaza. Calculo
80 homens, só cavallos, Força distrieto
foi bem commandada. Governador Gra-
za official valente. Não julgo critica
situação, visto governador não pedir
auxilio forças. Nºeste districto, socego.
— Eça.
PELO ESTRANGEIRO
Noticiam de Tanger que tres ju-
deus d’Arzila attrairam a uma cilada
uma rapariga violentando-o.
A familia della declarou que ma-
taria todos os judeus que encontrasse.
Ha grande agitação entra os musul-
manos, e por isso o Pachá mandou
fechar as portas da cidade e prender
os tres israelitas criminosos. E
Es
‘ Em Malaga foi descoberto um im-
portante contrabando de guerra paraara@@@ 1 @@@
À Nympha do Zezere 8
a Africa; já foram presos tres indivi-
duos implicados, figurando entre elles
um commerciante inglez.
x
Dizem de Canea que os insurrectos
bombardearam a fortaleza de Izzedim,
indo algumas granadas cahir junto dos
navios das grandes potencias ancorados
n’aquelle forte.
as
Em Jaraicejo (Hespanha) um guar-
da civil quando foi despedir-se do sar-
gento d’aquelle posto disparou contra
“ele um’tiro, per julgar que o sargento
fôra a causa dá sua transferencia para
outro posto. O infeliz morreu logo.
Ao ruido da denotação, accudiram
um’guarda e uma mulher, que tiveram
a mesma sorte. O assassino suicidou-se
em seguida.
x
Quando a rainha regente de Hes-
panha D. Christina assistia a um con-
certo no Theatro Principe Affonso, re-
cebeu um despacho telegraphico noti-
ciando as victorias drs tropas hespa-
nholas nas Philipinas.
O despacho foi lido em publico,
causando grande enthusiasmo; a or-
chestra tocou immediatamenté o hymno
real, havendo grandes manifestações 4
familia real, ao exercito é marinha.
O senado francez concedeu aucto-
risação para ser processado judicial-
mente o senador Levrey implicado na
questão do Panamá.
LITERATO BA
PROSAS PARA DS SINSEROS
(. O sol tomba ao longe por detrás
das montanhas, n’um poente de viole-
ta. A silhueta escura das collinas de-
senha-se, confusa, nas vagas tintas do
crepusculo, emquanto o sino da egreja
da aldéa bate, plangentemente, as ba-
daladas das avé-marias. Pastôras de
olhar sereno, onde nunca perpassou o
clarão dum desejo mau, conduzem,
cantarolando cantigas ingenuas, os ga-
dos para os apriscos. Velhos zagaes,
chapéus na mão, vão, religiosamente,
resando ás Trindades, cheios da fé sin-
cera dos primitivos. Adormecem as
coisas, silenciosamente, no descanço
da tarde .que finda… Ao longo-U’um
caminho estreito, um pequenito, viizdo
da eschola, vae marchando, despreo;
cupado;a atirar pedras às cerejas ma- |
duras que das arvores se debruçam,
como labios rubros de mulher, suppli-
cando beijos. Vae tranquillo o peque-
nito. Grarde chapéu de palha, de lar-
gas abas, calcitas rotas, pés descalços,
mas satisfeito, fresco, feliz, sem aspi- | animal o persiga, talves o mate, quem
rações. De repente, lá adianto, defronte | sabe…
delle, surge um boi enorme, tocando
com os galhos os muros, que ladeiam
o caminho. Aproxima-se do pequenito,
pouco a pouco, lentamente, emquanto
este pensa afílicto, em voltar para traz,
fugir do animal, tamanho, de meter
medo… Mas se elle correr talvez o
e
1
E foa indeciso, a tremer…
E quando o boi junto d’elle passa,
o pequenito, unindo-se à parede, mur-
mura humildemente, chapéo na mão:
— Muito bôas-tardes, senhor boi !
AntToNIO CASIMIRO
de= ==
Ao levantar das ancoras
(Recitado por Julião de Senna Sarmento
na recita do quinto anno juridico)
– Uma branca princeza em sen jardim,
” Antre maguas de tanques soluçando
E soluços de plantas que o chapim
Ligeiro vae calcando,
Seus olhos postos n’um jardim de estrellas
Onde ha soluços d’uma nivea lua,
Airosa e doce, ella não pensa n’ellas, –
Na lua que finctua.
Em suas brancas mãos d’anneis doiradas
— Oiro e prata preciosos— grandes ramos
Ella desfolha, — rosas perfumadas
Lyrios que amamos.
E não pensa nas estrellas nem nas flores,
Em nada pensa essa princeza linda!
Vae sob a chuva triumphal de côres
Que emfim um sa finda,
Assim à Mocidade: Es siSPaR
Um ramo de saudades desfolhando
Vae, pela tarde calma e luminosa,
Doidamente cantando.
E nós que hoje partimos, a florir
As Almas perfumadas brandamente,
Labios abertos n’um meigo sorrir,
Meigo, que nunca mente,
Como um navio que demanda o mar,
A ventura, e vae todo embandeirado,
Pela ultima vez vimos cantar
O Riso abandonado.
31-m1-97.
HENRIQUE DE VASCONCELLOS.
==
CONTO OBTENTAL
(ACTUALIDADE)
e
Sob a immensa concha do céu,
cujas bordas de um tom esvaecido, de
um mesclado azul e rosa poisam além
ao fundo sobre a espinha suavemente
curva do horisonte, levanta-se, rutila
como um topazio enorme, orgulhosa
camo um cysne á beira d’agua, a phan-
tastica e maravilhosa Constantinopla,
a setgual e voluptuosa Rainha do Orien-
te, mirando-se nas aguas do seu crys-
talino mar.
Fulgem como pontas de espadas
nuas as agulhas dos minaretes, espe-
tadas a prumo em espheras transpa-
rentes, como gottas de orvalho; e fais-
cam os metaes que rematam os zim-
borios feitos de um marmore tão puro
e tão alvo como a mais alva espuma.
Irradiam um pleno brilho, como
polidos reflectores de oiro, ou largas
folhas de alfanges as estrellas e meias
luas suspensas milagrosamente no mais
alto das cupulas. E a luz despeja-se a
jorros, estonteante, por entre os doi-
rados minaretes de Stambul.
Ar e sol, receando poisar sobra.
PL@@@ 1 @@@
+
A Nympha do Zezere
aquelles torredes aguçados como agu-
lhas—não vão tombal-os—, tremem
nervosamente, peneirando-se por sobre
aquella floresta de bugigangas de fina
porcellana.
E n’esta agitação o quadro dá-nos
a idéa de um largo ramalhete de mio-
sotis, aqui e ali esguias espiguetas,
cobrindo o turgido seio febiilmente
arfante de uma espléndida cigana.
Trabalhado em enormes calhaus
de oiro e grossos diamantes, o estenso
palacio de Abdul-Hamid, rodeado de
airosos belvederes de marfim é cor al,
reflecte como um extenso lençol d’ agua
“onde se espelhem de chapa os raios
ardentes de um sol esplendido, des
lumbrando e ferindo-nos a vista tão
deshabituada a tantos esplendores.
E, estáticos e absortos, apodera-se
do nosso espirito a preoccupação sug-
gestiva do bello e do sobrenatural.
Indolente, voluptuoso, ébrio de de-
sejos, estonteado pela mais desenfreada
carnalidade; enter rado em fôfos estofos
das mais delicadas sedas orientaes
amontoadas nos opulentos tapetes per-
sas que cobrem o espaço onde se levan-
tam longos renques de airosas columnas
de alabastro, pendendo aqui e alem
variegadas musselinas e vaporosas cam-
braias; sob tectos a gargalhar doirados
paineis onde a sensualidade e a carne
se desenham escancaradamente, o Sul-
tão sonha ideaes pr aseros-espr eguiçan-
do-se febril, turgido de goso, por entre
as negras cabelleiras e bustos escul-
pturaes das cem mulheres do seu ar-
dente serralho. E ellas, os negros rou-
xinoes do harem, offerecem-lhe a pouco
e pouco pedaços do seu amor a vapo-
rar aromas e inebriantes perfumes de
flores e violetas.
Espirito embotado e sem luz, pe-
sado e lerdo, Abdul-Hamid vê, sabe
Allah se com razão, em cada pessoa
um taaidor, em cada mão um punhal
assassino e em cada movimento uma
ameaça de morte.
A sua consciencia a estoirar de
culpas põe-lhe nos olhos a ferocidade
do tigre, verga-lhe a cabeça emmoldu-
rada em retintos anneis de ebano so-
bre um constante poço de sangue. E
ai d’aquelle a quem a sua caprichosa
phantasia de sanguinario e perseguido
apontar de conspirador! Caelhe na
cabeça a lamina pesada do seu impe-
rial alfange.
Porisso o Grande Senhor, sempre
armado até aos dentes e aferrando
frenetico o punho do seu gladio terri-
vel, espalhou por toda a parte pistolas
e punhaes.
Pelos terraços e passadiços, ao
longo dos salões e aposentos imperiaes
saltitava um dia, como em todos os
dias, a filha do Sultão, criança de dez
annos apenas, olhos rasgados e negros
como azeviche, morena, sorrindo mei-
guices no esmalte alvissimo dos seus
dentes.
Rocaes de minusculas esmeraldas
como pequeninos astros adornavam os
seus cabellos negros como a noite.
Salpicava-lhe as airosas vestes, corta-
das em ricas e do Japão, uma
vasta sementeira dê topazios e rubis.
Um dia,—ha pouco tempo!-—a pe-
quenita fada de Stambil entrava. nos
sumptuosos aposentos de seu pae; e
dançando-lhe os olhos traquinas por
sobre aquella alluvião de coisas e ni-
nharias, prendeu-lhe a attenção uma
bella pistola de aço florido com incrus-
tações de perola e marfim.
Pegou-lhe como pegaria em qual-
quer outra bugiganga, vendo nella um
brinquedo como as suas bonecas, se é
que tinha bonecas a mimosa filha do
imperador.
O Sultão ao ver a creança que sor-
ria muito contente, assaltando-o uma
idéa horrivel, bradou-lhe n’um tom fe-
roz de barbaro:— Que vae fazer? —
E ao notar que a criança se per-
turbava tremendo assustada perante
a inexperada advertencia paterna, es-
toirou-lhe n’alma o medo de que ali
n’aquella filha houvesse a idéa sangui-
pária de mata-lo; que mordesse n’aquel-
los labios vermelhos e frescos ;como
mimosas cerejas o calor do uma trai-
cão, a sede do seu sangue.
–——E emquanto lá fóra, sob a immensa
cúpula azul do ceu se levanta prazen-
teira como um canteiro de flôres de
jalde a opulenta Rainha do Oriente
mirando-se altiva nas aguas do seu
crystalino mar, e toda aquella immen-
sidade fulge como um enorme blóco
de oiro; emquanto as morenas huris
do serralho, cheias de nostalgia olham
langorosamente a immensidade dos
ceus, o Sultão, faiscando lhe nos olhos
a ferocidade da hyena, rasgando-lhe a
alma as garras do mais infame receio
por uma creança inofensiva, cabeça
em delirio, desvairado, arranca-lhe da
pequenina mão a arma que tanto susto
lhe puzera e fende lhe com duas balas
a tenra cabecita, indo salpicar de san-
gue as amphoras de oiro das suas ul-
timas orgias…
ALEXANDRE DE MATTOS.
CORRESPONDÊNCIAS
Coimbra, 2.-——-No meio d’um enthu-
slasmo indiseriptivel, realisou-se na
quarta-feira a primeira recita dos quin-
artisticamente ornamentado. “Amanhã
realisa-so a segunda recita.
-—— Chega amanhã a esta cidade, à
Tuna academica de Lisboa. Reina
tanistas. Subiu á scena a peça em 4|“
actos, Tpsis verbis; o theatro estaval
grande enthusiasmo, projectando-se
uma recepção brilhantissima.
— Esteve n’esta cidade o sr.
rianno de Carvalho.
— Faz segunda-feira acto de licen-
ciado, o sr. Abel d’Andrade.
— Continua gravemente enfermo o
sr. Pedro Augusto Monteiro Castello
Branco, lente jubilado da faculdade de
direito, e chefe do partido progressista
n’esta cidade.
— Foi nomeado governador civil
substituto para este districto, o sr. dr.
Luiz da Costa e Almeida, lente da
Faculdade de Mathematica.
Ma-
AB
e nan
BIBLIOGRAPHIA
Recebemos a visita dos n.º 2, 3
e 4 da importante revista illustrada e
litteraria— Luz y Sombra, de Bilbão.
Agencia, R. Monte ue 13— Lis-
boa.
Agradecendo, vamos estabelecer
permuta.
SECÇÃO ALEGRE
A” volta do Jardim Zoologico, D.
Laura diz ao marido:
— Não sabes, o nosso Julinho co-
meçou hoje a fallar.,
— Oh! exclama o pae muito alegre;
que disse elle?
— Quando parâmos em frente da
jaula dos ursos, muito contente, o po-
bre anjinho disse: pa… pá..
pá–:
“ No tribunal:
Juiz — Para que traz o reo esse
pau?
Reo — Por ordem de V. Ex.2.
Juiz— Como assim?
Reo — Pois não me disse V. Ex.?
Fa
que viesse eu munido da minha defeza?
E eu nunca tive outra.
a.
Logogripho
A Franrino
Quando passo pelo Minho — 1-3-8-7
Um homem de grande fama, —7-5-6-3
O povo muito arrogante—8-9-2-7
Assim no riacho o banha. — 5-4
Mas quem é o tal sujeito?
Vai perguntar o leitor:
Oy E’ um physico… Basta
Que me torno massador.
“Março 97 B, A.
A decifração do logogriplo pabli-
cado no penaltimo numero é: Astrono-
mia.
Typ. e Lit. Minerva Central—Coimbrabra